Artigos de Jornal
O interesse econômico em primeiro lugar
Num espaço de 15 dias duas tragédias inconcebíveis de incúria de seus
responsáveis mataram centenas de pessoas, inclusive 10 adolescentes. Sobre
Brumadinho, o New York Times escreveu: “reservatório básico de lixo de mineração
construído a baixo custo, assentado acima de uma grande cidade”. Sobre o Centro
de Treinamento do Flamengo poderíamos dizer: “cafua de lata e lixo plástico para
jovens atletas”. Nesses dois exemplos de “cassetes armados” - não tenho outro
termo para classificar essas arapucas - prevaleceu o econômico sobre as vidas
humanas e o meio ambiente.
Em 30/07/2017, após o incêndio de uma torre de apartamentos para baixa renda em
Londres, a Grenfell Tower, com fachadas de vidro e poliuretano, que matou 70
pessoas, escrevi neste jornal “O perigo nosso de cada dia”, em que afirmava: “A
construção tradicional utilizava materiais incombustíveis, como tijolos,
concreto, cerâmicas e mármores. Esses materiais estão sendo substituídos por
plástico e vidro nas fachadas e divisórias de gesso e MDF, que não barram o
fogo. Os pisos de vinil, carpetes e forros acústicos são rastilhos de fogo. Para
piorar, esses materiais ao se queimarem exalam gases tóxicos”.
Mais adiante acrescentava: “Há também erros de projeto, como escadas contínuas,
sem iluminação natural, saídas infra-dimensionadas e mal localizados e portas
que não se abrem para fora. Deve- se a esses erros a tragédia da boate Kiss em
Santa Maria, RS, que matou 242 jovens. Os nossos shoppings são campânulas de
monóxido de carbono, sem alarmes automáticos nem sinalização de escape. Seus
cinemas são garrafões com uma única saída, contra todas as normas”.
As conclusões preliminares do incêndio do CT do Flamengo confirmam o que eu
dizia há um ano e meio atrás e repetem o que foi apurado em Santa Maria, em
2013. Até agora ninguém foi condenado, como também no caso de Mariana, que foi
classificado como um “acidente natural”. Em Brumadinho e no Urubu o mesmo jogo
de empurra entre a direção da Vale e Tuv Sud que se diz pressionada a atestar a
segurança das barragens e no Rio, entre o Flamengo e a construtora da cafua: bla,
bla, bla...
O Governo Federal estuda mudar as normas do FGTS para permitir que as vítimas da
Vale possam se auto-indenizarem por ser um acidente não exatamente “natural”,
mas “ambiental”. Minas é hoje um campo minado. O Estado e prefeituras da região
de Mariana e Brumadinho são complacentes com a Vale para não perderem os
minguados royalties de uma mineração ambientalmente insustentável. Famílias que
não dormem ameaçadas de morte temem perder seus empregos. Assumir esta servidão
é uma tragédia maior que as de Mariana e Brumadinho, que podem se repetir, e o
mais grave, na terra dos Inconfidentes Mineiros que deram o primeiro grito
contra a exploração dos colonizadores.
SSA: A Tarde, 24/02/2019