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A classe média abre alas
Segundo o SAE e a revista Valor, a classe-média brasileira representa 54% da
população. Ela cresceu pela concentração de renda que empobreceu os remediados e
incorporou ao consumo camadas mais baixas. Formada por profissionais liberais,
funcionários públicos e privados e pequenos comerciantes ela é a classe mais
afetada pelo desemprego, devido ao avanço cibernético, à reengenharia das
empresas e à flexibilização do trabalho. Criou-se, inclusive, novas categorias
de desemprego: subocupação e desalento, dos desesperançados de trabalharem. Com
a chegada da inteligência artificial e do 5G vão acabar muitas profissões,
inclusive a de “uberista”, placebo da classe-média.
A abertura do mercado barateia os importados, mas acaba com o emprego nos países
subdesenvolvidos. Nesse quadro, só os desenvolvidos ganham. Já são milhões de
diplomados no 3º mundo que não conseguem trabalho. Nunca se viu tanta gente
enfrentando a morte para fugir da fome. Se continuarmos como exportadores de
comodities no futuro só teremos ocupação para um punhado de TIs, e informais de
manutenção, como pedreiros, mecânicos e faxineiras.
Essa população está desesperada. Perdeu o emprego, teve que botar os filhos na
escola pública e entrar na fila do busu e do SUS. Eles já não dormem, não podem
consumir uma cervejinha e um cigarro e não aceitam as novas relações de gêneros.
A maioria não entende o que está acontecendo, e se apega a astrólogos, à compra
de milagres, à autoajuda e à automedicação. Seu sonho é fugir do país, abolir as
multas de trânsito, baixar o imposto do cigarro e ter uma arma, sem saber
atirar. Não é de se estranhar o aumento do feminicídio, muitas vezes seguido de
suicídio, a proliferação das farmácias e do consumo de Rivotril. O bloco da
classe-média subiu ao palco, e agora? Mas como ativar a economia sem empregos e
aplacar a mágoa de um exército de excluídos? Drummond retratou o drama de um de
seus membros em versos, quer vão aqui resumidos?
“... A festa acabou,/ a luz apagou,/ o povo sumiu,/ a noite esfriou,/ e agora,
José?/ e agora, você?/ você que é sem nome,/ que zomba dos outros,/ você que faz
versos ... / Está sem mulher,/está sem discurso,/está sem carinho,/ já não pode
beber,/ já não pode fumar,/ cuspir já não pode,/ a noite esfriou,/ o dia não
veio,/ o bonde não veio,/ o riso não veio,/ não veio a utopia/ e tudo acabou/ e
tudo fugiu/ e tudo mofou,/ e agora, José?/...Se você gritasse,/ se você
gemesse,/ se você tocasse/ a valsa vienense,/ se você dormisse,/ se você
cansasse,/ se você morresse.../ Mas você não morre,/ você é duro, José!/ Sozinho
no escuro/ qual bicho-do-mato,/ sem teogonia,/ sem parede nua/ para se
encostar,/ sem cavalo preto/ que fuja a galope,/ você marcha, José!/ José, para
onde?” Esse é o dilema da classe-média.
SSA: A Tarde de 13/07/2019