Artigos de Jornal
Engenharia civil versus financeira debaixo da ponte
O Governo do Estado anunciou que vai abrir a PPP da Ponte Calçada -Gameleira
em agosto e que chineses, italianos, franceses e espanhóis estão interessados.
As estatais chinesas, que amesquinharam a ponte inviabilizando o estaleiro de
São Roque e facilitando a venda de suas plataformas de petróleo, são as
favoritas. Querem transformar essa ponte e o terrível monotrilho
Subúrbio/Comercio no portifólio para entrarem no bilionário mercado
sul-americano de engenharia, depois que as grandes nacionais foram quebradas, e
seus diretores soltos.
Dos R$1,5 bilhões que o Estado vai pagar pela obra, não ficará um centavo na
Bahia. Os chineses trazem equipamentos, materiais, e mão-de-obra embarcada. É
assim que eles atuam na Ásia e na África. Ainda devemos pagar a diferença entre
fluxo real e ideal da ponte, estimado em 140.000 veículos/dia, que atropelará
literalmente a ilha e Salvador na ida para o Litoral Norte. Nesta etapa só será
feita a substituição do ferry-boat por concreto, que não eliminará as lanchas,
como aconteceu na Rio/Niterói. O SVO, que morre no Funil, tem dois gargalos, um
pontilhão com duas faixas e as estradas BR-324/Pirajá e do Coco, transformadas
em ruas-direitas da conurbação Salvador/Lauro de Freitas/Camaçari. Vamos ter que
pagar diariamente dezenas de milhares de pedágios inúteis, durante 35 anos.
A ponte vai marginalizar o Recôncavo com seu imenso potencial turístico e
náutico e drenar os serviços do oeste da BTS, inclusive Feira de Santana, para
Salvador. Esta, por sua vez, vai arcar com o ônus de ter suas demandas de
educação, saúde, transporte e dormitório duplicadas com o inchaço de sua área de
influência pobre. A ilha, uma cabeça-de-ponte favelizada, como São Gonçalo em
Niterói, se degradará ao ser transformada em porto-seco e retroporto de
Salvador. O tráfego de jamantas destruirá o encanto da ilha cantado por Mirian
Fraga e João Ubaldo. Há soluções mais interessantes e baratas.
Quanto vamos pagar por essa ponte domingueira? O Estado deu ao consorcio
Odebrecht/OAS uma vila olímpica, os milhões que recebeu do Governo Federal para
obras de acesso à Copa, e ainda paga anualmente R$167 milhões para jogos de um
só time. Desembolsa outros tantos com o Metrô e Hospital do Subúrbio. Com a
conta da ponte quanto sobrará, no futuro, para a educação, saúde e
infraestrutura? O setor privado baiano também anda mal. Perdemos três bancos, a
rede Paes Mendonça, a Odebrecht, a OAS e a Insinuante. A recuperação da voraz
Odebrecht, improvável depois que a CIA abriu sua caixa preta para o mundo, é um
grande golpe na engenharia nacional. Nossos políticos e empresários ainda não
entenderam que a guerra fria hoje não tem ideologia nem bandeira, é digital,
econômica e oportunista e o Brasil é um prato cheio.
SSA: A Tarde, 30/06/2019