Artigos de Jornal
Cone Sul: nostalgia e rejeição ao passado
Convidado ao 21º Congresso Brasileiros de Arquitetos em Porto Alegre, atendi,
na mesma oportunidade, a compromisso no país vizinho. Participei da XVII Bienal
Internacional de Arquitetura de Buenos Aires para debater o impacto do turismo
de massa nas nossas cidades e rever velhos amigos latinos americanos. Aproveitei
uma das noites livres na grande metrópole para deliciar os dois maiores ícones
da cidade: o tango e o “bife chorizo”, que se corta com “cuchara”.
Há muitos anos assisti em El Viejo Almacén uma apresentação de milongas e tangos
de raiz com os músicos no tablado e excelentes bailarinos e bailarinas de bordel
do porto. Hoje o tango virou zarzuela para turistas. Fui ao Madero Tango e só
havia brasileiros, inclusive na mesa em que sentei. Com surpresa assistimos um
vídeo do enterro de Evita Perón, cujo rosto brilha em luminoso na fachada de um
edifício da monumental Avenida 9 de Julio. Só se tocou Gardel, já que Piazzolla
é considerado demasiado moderno pelos cultores do gênero. A apoteose do show foi
“No llores por mi Argentina”.
Há uma nostalgia dos anos 30 em tudo na Argentina, quando o país era muito rico
exportando carne, trigo e lâ de ovelhas, como se nota nos antiquários
inesgotáveis do bairro de Santelmo. O país vive hoje uma inflação de 60 % e o
dólar, nova moeda paralela nacional, é cotado a 65 pesos, moeda que já se
equivaleu ao real, mas hoje vale 15 vezes menos. Nas eleições do ultimo domingo
27/10, o liberal Macri, que prometia recuperar o emprego e a economia do país,
foi derrotado e o peronismo voltou ao poder para enfrentar um gigantesco desafio
com o FMI batendo à porta.
Por sorte não fui ao Chile, que entrou em convulsão, em grande parte devido à
perversa aposentadoria por capitalização, que enriquece os bancos e desidrata os
aposentados, que o ministro Paulo Guedes quer reeditar no Brasil. O conservador
Piñera pediu perdão à nação, mas não adiantou. Anuncia agora reformas para
combater as grandes desigualdades sociais do país, que ele dizia, há pouco, ser
um oásis na América Latina. A crise do Chile é muito semelhante a da Argentina,
embora pareça o inverso.
Qualquer cientista político e historiador sabe que a catástrofe do continente é
a imoral concentração de renda que só cresceu com o assimétrico mercado livre
das ultimas décadas. Bastou o aumento de alguns centavos no transporte público
para deflagrar um tsunami num mar aparentemente tranquilo. Até Trump entendeu
que o Consenso de Washington virou dissenso e voltou a ser protecionista,
adotando sobretaxas e cotas nas importações. Mas no Brasil ainda há gente que
pensa como em 1973 e finge que estamos livres das ciladas da historia. Não
podemos esquecer que somos parte do contexto sul americano.
SSA; A Tarde, 03/11/2019