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Cone Sul: nostalgia e rejeição ao passado

  • 03 de Novembro de 2019

Convidado ao 21º Congresso Brasileiros de Arquitetos em Porto Alegre, atendi, na mesma oportunidade, a compromisso no país vizinho. Participei da XVII Bienal Internacional de Arquitetura de Buenos Aires para debater o impacto do turismo de massa nas nossas cidades e rever velhos amigos latinos americanos. Aproveitei uma das noites livres na grande metrópole para deliciar os dois maiores ícones da cidade: o tango e o “bife chorizo”, que se corta com “cuchara”.

Há muitos anos assisti em El Viejo Almacén uma apresentação de milongas e tangos de raiz com os músicos no tablado e excelentes bailarinos e bailarinas de bordel do porto. Hoje o tango virou zarzuela para turistas. Fui ao Madero Tango e só havia brasileiros, inclusive na mesa em que sentei. Com surpresa assistimos um vídeo do enterro de Evita Perón, cujo rosto brilha em luminoso na fachada de um edifício da monumental Avenida 9 de Julio. Só se tocou Gardel, já que Piazzolla é considerado demasiado moderno pelos cultores do gênero. A apoteose do show foi “No llores por mi Argentina”.

Há uma nostalgia dos anos 30 em tudo na Argentina, quando o país era muito rico exportando carne, trigo e lâ de ovelhas, como se nota nos antiquários inesgotáveis do bairro de Santelmo. O país vive hoje uma inflação de 60 % e o dólar, nova moeda paralela nacional, é cotado a 65 pesos, moeda que já se equivaleu ao real, mas hoje vale 15 vezes menos. Nas eleições do ultimo domingo 27/10, o liberal Macri, que prometia recuperar o emprego e a economia do país, foi derrotado e o peronismo voltou ao poder para enfrentar um gigantesco desafio com o FMI batendo à porta.

Por sorte não fui ao Chile, que entrou em convulsão, em grande parte devido à perversa aposentadoria por capitalização, que enriquece os bancos e desidrata os aposentados, que o ministro Paulo Guedes quer reeditar no Brasil. O conservador Piñera pediu perdão à nação, mas não adiantou. Anuncia agora reformas para combater as grandes desigualdades sociais do país, que ele dizia, há pouco, ser um oásis na América Latina. A crise do Chile é muito semelhante a da Argentina, embora pareça o inverso.

Qualquer cientista político e historiador sabe que a catástrofe do continente é a imoral concentração de renda que só cresceu com o assimétrico mercado livre das ultimas décadas. Bastou o aumento de alguns centavos no transporte público para deflagrar um tsunami num mar aparentemente tranquilo. Até Trump entendeu que o Consenso de Washington virou dissenso e voltou a ser protecionista, adotando sobretaxas e cotas nas importações. Mas no Brasil ainda há gente que pensa como em 1973 e finge que estamos livres das ciladas da historia. Não podemos esquecer que somos parte do contexto sul americano.

SSA; A Tarde, 03/11/2019


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