Artigos de Jornal
Chê Porto Alegre
Estive em outubro em Porto Alegre e pude curtir a cidade graças a dois
sobrinhos que moram ali. A cidade não sofreu a reforma urbana radical de
Salvador na década de 1970, que a desestruturou e não conseguiu criar um novo
centro, só um nó no Iguatemi. Nisso consiste o grande diferencial entre as duas
cidades. Porto Alegre mantém uma centralidade urbana forte estruturada em volta
ao Parque Farroupilha com 32 ha, 16 vezes o Campo Grande. Dentro dele está o
Auditório Araujo Vianna com 3.000 assentos, onde se realizam os grandes eventos
culturais, sociais e políticos. Em seu extenso perímetro ocorre, aos domingos, a
imensa Feira do Brique de artes, artesanatos e antiquários, que demonstra a
força da economia criativa local.
A maioria das faculdades da UFRGS se concentra em pequenos campi especializados
no centro da cidade. O seu Hospital de Clinicas ocupa toda uma quadra com
pavilhões enormes e moderníssimos. A Santa Casa de Misericórdia tem sete
hospitais. Toda a excelente infraestrutura de saúde e educação se deve ao fato
do Rio Grande do Sul ser o berço de oito presidentes e um deles, Getulio Vargas,
ter reinado por 19 anos. A Bahia nunca fez um presidente.
A cidade conserva um belo conjunto fragmentado de arquitetura neoclássica e
revival, coisa rara em nossas cidades, obra de requintados arquitetos, artesãos
e operários oriundos de suas duas maiores comunidades: italiana e alemã. Seus
dois mais importantes filhos, o poeta Mário Quintana e o pintor Iberê Camargo,
têm casas de cultura à sua altura: o antigo Hotel Magestic e o belo museu do
luso Álvaro Siza.
Porto Alegre compensa a falta de praias com muitos parques. Além do Farroupilha,
tem o Moinhos de Vento ou Parcão, Germânia, Jardim Botânico e a floresta do
Country Club (50 ha). Suas ruas são arborizadas, com passeios largos e sem
passarelas que privilegiam os carros. Alguns cruzamentos são em túneis, mas
viadutos só na saída da cidade. Sua relação com a água é diversa da nossa. Foi
inaugurado recentemente um grande parque com bares e restaurantes junto ao
abandonado Gasômetro, projeto do urbanista Jaime Lerner, onde o povo vai curtir
o pôr do sol sobre as águas do Guaíba. Porto Alegre é a cabeça de uma extensa
região metropolitana conurbada com grandes cidades como Gravataí, Novo Hamburgo,
São Leopoldo, Viamão e PIB de R$140 bilhões.
Mas a cidade padece dos males de todas as cidades brasileiras: insegurança,
condomínios fechados, informalidade e favelas. Com a crise econômica e déficit
fiscal o velho sonho emancipacionista dos farroupilhas recrudesceu. Na rua e nas
churrascarias vi muita gente com camisas com o logotipo do movimento. Um velho
médico me disse que o Rio Grande se limita com o Uruguai, Argentina e Brasil. Um
sonho que pode virar pesadelo.
SSA: A Tarde, 1º/12/2019