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Fazendeiros-do-ar

  • 20 de Janeiro de 2013

A expressão é do poeta Drummond, mas na Bahia a ficção vira realidade, já disse Mangabeira. Existem em Salvador alguns fazendeiros-do-ar com milhares de alqueires de terra chamados de Transcons, que ninguém viu, porque são virtuais, nem se sabe quantos são, porque segundo se diz desde janeiro de 2009 suas transações não são publicadas no D.O., nem registradas em cartórios.

Transcon significa Transferência do Direito de Construir e foi instituído em Chicago em 1973 com o nome de “espaço flutuante” (space adrift). Era um instrumento de planejamento urbano que se destinava a transferir o potencial de construção de áreas com perspectiva de grave adensamento para zonas onde havia infraestrutura subutilizada. Servia também para transformar baldios em praças e parques urbanos sem desembolso municipal e compensar proprietários de edifícios tombados situados em meio a zonas verticalizadas podendo usá-los ou vende-los para aumentar o potencial de construção em zonas que se queria desenvolver, tudo regulado pelo Plano Diretor local. Quando se tratava de baldios ou áreas verdes estas passavam automaticamente para o patrimônio municipal.

Este instrumento foi introduzido no país, no inicio da década de 80, em Curitiba, cidade totalmente planejada, e macaqueado em Salvador comunidade, como se diz hoje, sem planejamento nem infraestrutura ociosa pela Lei 3885/87, confirmada pela Lei Orgânica do Município, de 1990. O Estatuto da Cidade, Lei 10.257 de 2001, regulamentou a questão nos artigos 28, que trata da “outorga onerosa”, já descrita em artigo anterior neste jornal, e 35 que trata do Transcon. Os nossos Transcons se devem a compensações milionárias pagas pela Prefeitura a proprietários que supostamente tiveram suas terras invadidas.

É muito discutível se uma Prefeitura pode ser responsabilizada por invasões de terras. Quem tem baldio de engorda mura, eletrifica e põe vigilância humana, canina e eletrônica. Note-se ainda que a quase totalidade das favelas de Salvador não são juridicamente invasões, senão loteamentos clandestinos realizados por seus proprietários, que deste modo se desobrigam dos encargos da legislação de loteamento. Invasão de fato só ocorre em terrenos públicos ou em litigio, como o Bairro da Paz. Assim haja loteamentos clandestinos para maior densificação e engarrafamento da urbe.

O fato é que não se criou em Salvador nenhuma praça ou parque nem se compensou nenhum proprietário de monumento tombado com o Transcon, apenas se permitiu a indústria imobiliária adensar e parar a cidade. O primeiro escândalo do Transcon em Salvador ocorreu em agosto de 2010, quando uma ex-Secretária Municipal de Planejamento denunciou que se estava aplicando Transcons na Orla Marítima e não outorga onerosa como mandava o PDDU-2008, provocando prejuízos de 500 milhões de reais à cidade, denuncia que nunca se apurou. O que fazer com esses imensos latifúndios localizados nas nuvens? A resposta é simples: maior participação da sociedade em suas concessões, usos e transações. Devemos inclusive aumentar as áreas de outorga onerosa se quisermos reciclar bairros deteriorados e infraestruturar zonas de expansão da cidade e da RMS.

Mas pode-se resgatar a função social deste instrumento mediante convênios com os municípios vizinhos, como Lauro de Freitas, Camaçari e Simões Filho para utilização desses créditos. Que ganhariam esses municípios com isto? Capitariam enormes investimentos imobiliários que aumentariam a receita do IPTU e do ISS e os tornariam mais autônomos com relação a Salvador. Ganharia a Capital com a diminuição de sua função dormitório, com menor pressão sobre as áreas verdes e com o aumento da receita das outorgas onerosas. Ganhariam finalmente os fazendeiros-do-ar com a diversificação e ampliação do mercado para o seu plantel de vacas gordas.

Dizem os comerciantes que bom negocio é aquele em que todos ganham. Não será difícil, pois, à nova administração encontrar um negociador politico à altura dos urgentes pactos e ajustes metropolitanos vantajosos a todos. Está feita a sugestão.

SSA: A Tarde, 20/01/2013


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