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Leonardo da Vinci baixa em Salvador
Filho bastardo de uma camponesa, deserdado, sem educação formal, pintor de
pouco sucesso, canhoto que escrevia de trás para frente e descriminado por ser
homossexual e violar cadáveres, Leonardo da Vinci tinha tudo para ser um
fracasso, mas foi uma zebra. Quinhentos anos depois de sua morte, o mundo
inteiro se curva para homenageá-lo como o maior gênio da humanidade. O retrato
de uma jovem com um sorriso maroto sobre todos nós, La Gioconda ou Mona Lisa,
eclipsou o cientista, o anatomista, o engenheiro, o arquiteto e o inventor
genial.
Foi sua falta de educação formal, com suas falsas explicações sobre tudo, e uma
curiosidade sem limites, que o transformou num dos fundadores da ciência
moderna, com Galileu, Copérnico e Bacon, baseada na observação dos fenômenos
naturais e não na dedução, como faziam os gregos. Ele analisou o voo das aves, o
comportamento dos fluidos e os segredos do corpo humano, sendo o fundador da
anatomia, origem da cirurgia moderna, desafiando o Vaticano.
Leonardo utilizou o desenho para projetar máquinas e aparelhos para o homem
melhor trabalhar, navegar, mergulhar, voar e se defender. Não se tem notícia de
maquetes, da época, de suas invenções. Mas seus desenhos eram tão
cientificamente corretos e inovadores que seriam realizados alguns séculos
depois. Ele estava tão avançado para sua época que praticamente só um de seus
projetos foi executado em vida, a bela escadaria em hélice e contra-hélice do
palácio Chambord, na França.
Leonardo foi o mais brilhante dos muitos gênios do Renascimento, que colocaram o
homem no centro do universo inaugurando a Modernidade e desbancando o
teocentrismo medieval. Gênios como Michelangelo e Maquiavel, que denunciou que o
poder dos monarcas não era dado por Deus, senão emanava das artimanhas do
príncipe. Comemorar o maior gênio do Renascimento é lutar contra o obscurantismo
do terraplanismo e do criacionismo dos gurus e falsos filósofos, que se dizem
pós-modernos. A terra é redonda, mas com eles está ficando chata.
Italianos e franceses se digladiam para organizarem a maior exposição de sua
obra. Mas sua arte e invenções são universais. Leonardo mostrou que razão e
emoção não são incompatíveis, mas complementares. Seu grande sonho era ver o
homem voar. Ele projetou o paraquedas, a asa delta, o planador humano (wingsuit)
e o helicóptero. Seu sonho só foi realizado quatro séculos depois por um
brasileiro, Santos Dumont.
Depois de amanhã, dia 27, será inaugurada no Palacete das Artes a mais
importante exposição sobre Leonardo da Vinci no Brasil. O também engenheiro
Thales de Azevedo Filho, apaixonado pela obra do gênio, deu terceira dimensão,
movimento e vida a 55 desenhos de máquinas de Leonardo, para mostrar aos jovens
baianos que a educação se faz com vividas redescobertas e não com a decoreba.
SSA: A Tarde, 25/08/2019