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Um panteón da baianidade
Desde que a Revolução Francesa transformou a recém construída Igreja de Santa
Genoveva de Paris em Temple des Renommées, depois rebatizado de Pantbeón, para
receber os “os restos dos grandes homens da época da liberdade francesa”, muitas
nações criaram monumentos ou transformaram criptas de catedrais em panteons para
abrigar e reverenciar os seus mais eminentes filhos: heróis, estadistas,
intelectuais, artistas e cientistas. No Pantheón de Paris, cujo nome revive as
moradas dos deuses romanos, jazem os restos de Voltaire, Roussean, Murat e
Victor Hugo. Há pouco mais de uma década, construiu-se em Brasília o Panteón da
Pátria em homenagem a Tiradentes e outros próceres da nação, dentre os quais
Tancredo Neves.
A Bahia não fugiu a essa tradição, edificando em 1914, por iniciativa do
Instituto Geográfico e Histórico, um panteón ao general Labatut, em Pirajá,
local da batalha que consolidaria a independência baiana e nacional. Otávio
Mangabeira, que sabia a importância da reverência aos grandes homens para a
consolidação da imagem de uma nação, não só promoveu a transferência dos restos
mortais de Ruy Barbosa para sua terra natal, como criou um solene panteón para o
mesmo na sede da justiça baiana a que deu seu nome.
Possível reurbanização do Largo do Pilar, com atrium e escadaria sobre a Avenida
Jequitaia, reproduzindo abertura para o mar assinalada no Mappa Topográpbico da
Cidade de São Salvador, do engenheiro Carlos Augusto Weyll (1851). Dois mastros
no alinhamento das fachadas assegurariam a continuidade da perspectiva da Rua do
Pilar fechada com a igreja.
Com exceção desses dois casos, a honras aos nossos grandes vultos restringem-se
a um busto em uma de nossas praças ou avenidas. Isso na melhor hipótese, quando
não perambulam como os chafarizes por toda a cidade e acabam nos desmontes e
sucatas do subúrbio. Os casos de roubo de bustos, baixos-relevos e inscrições
são tão frequentes em Salvador, que as placas de inauguração de nossos edifícios
públicos já não são de bronze, senão de acrílico descartável.
Por onde andarão os restos mortais de Castro Alves, Carneiro Ribeiro, Pirajá as
Silva e tantos outros? O próprio Otávio Mangabeira, que deu a Ruy Barbosa um
repouso digno, jaz em um túmulo comum e corrente no Campo Santos, que pouco se
diferencia dos demais, a não ser por uma insólita pérgola em forma de garras.
Mais acanhados e atravancados são os túmulos das penúltimas personalidades ali
enterradas. Esse cemitério, depositário de belíssimo conjunto escultórico, em
grande parte importado, acha-se infelizmente saturado, abandonado e invadido. A
alternativa oferecida às futuras gerações é o asséptico Jardim da Saudade,
necrópole talhada no figurino do capitalismo global e massificador, que nada tem
a ver com nossas tradições.
Possuímos, no entanto, um imponente panteon integrante de uma das mais belas
igrejas dessa capital, que se arruína, há décadas, pela alegação de falta de
recursos. Trata-se do complexo da igreja de Nossa Senhora do Pilar e cemitério
contíguo, primeiro monumento neoclássico do país, construído nos últimos anos do
século XVIII, no mesmo estilo e contemporâneo do Pantheón de Paris, e um dos
mais impressionantes espaços cerimoniais da cidade, com longa nave e pé direito
de doze metros.
Sua reabilitação como Panteón da Bahia não só representaria um grande serviço à
baianidade, atualmente tão carente de auto-estima, como salvaria este monumento
nacional de uma ruína, senão anunciada, pelo menos previsível. De outra parte,
este conjunto integrado ao parque resultante da transferência do Comando Naval
para a Base de Aratu, que esperamos não tarde, poderá ser uma importante
alavanca para a requalificação do Comércio, tão falada e tão pouco implementada.
O Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, o Conselho de Cultura, as fundações
Pedro Calmon, Cultural da Bahia e Gregório de Mattos, que já prestaram tantos
serviços ao estado e a cidade, unidos poderão patrocinar uma campanha nesse
sentido. Ali, criteriosamente selecionados pelas instituições mais
representativas da sociedade, poderão ser reunidos os restos mortais dos grandes
vultos que ajudaram a construir a Bahia e, no futuro, dos que a engrandecerão,
para que não se percam no esquecimento. Aqui fica a sugestão.
• Publicado originalmente em A Tarde de 05/01/2001 e republicado na Revista da
Academia de Letras da Bahia, nº, 45, julho de 2002. Naquela época o Campo Santo
encontrava-se muito abandonado, situação que mudou completamente na atualidade.