Artigos de Jornal
Alzheimer cultural
Com os incêndios do Museu da Língua Portuguesa, em 2015, do Museu Nacional, em 2018, e da Cinemateca Brasileira, o Brasil perdeu grande parte de sua memória. O acervo da Funarte também está em perigo. No fundo, a anamnese nacional é resultado de uma necropolítica cultural. As três perguntas inicias que o médico faz a uma pessoa que anda baratinada são: Como é seu nome? Que dia é hoje? Onde você mora? Se ela hesita em responder é porque perdeu suas referências de identidade, de tempo e de lugar. O mesmo acontece quando perdemos a memória coletiva.
Aqueles três incêndios não foram acidentes, foram “mortes anunciadas”. Mas não apenas os “acidentes” destroem a memória nacional. Interesses econômicos também a ameaçam. Agora mesmo, o ministro Paulo Guedes incluiu entre os imóveis da União que devem ser vendidos, o recém-restaurado Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, ex-sede do Ministério da Educação e Saúde, cujo nome homenageia seu idealizador e criador do IPHAN. Este edifício é um marco do modernismo brasileiro, iniciado com a Semana de1922. Ele é tão importante internacionalmente que Le Corbusier, que não teve nenhuma participação no seu projeto, quis considerá-lo como seu, porque seguia os cinco pontos resumidos por ele como característicos da arquitetura moderna.
Neste momento, Instituto de Arquitetos do Brasil e o Ministério Público Estadual lutam para que não se descaracterize, embora se modernize, o Hospital Otavio Mangabeira, em Salvador, marco da arquitetura modernista brasileira e da luta contra a tuberculose. Pois é, um monumento arquitetônico não é apenas um artefato material, é uma obra com significados cultural e histórico. Sedes de equipamentos públicos privatizados sofrem o risco de se deteriorarem, como ocorre com os condomínios de escritórios do Comércio.
A comunidade universitária baiana está muito preocupada com o destombamento, três dias após seu tombamento respaldado pelo Conselho Consultivo da Fundação Gregório de Matos, da Residência Universitária Primeira da UFBA. Não se trata apenas do único remanescente das mansões ecléticas do hiperinflacionado Corredor da Vitória. Seu pátio e restaurante foram, e continuam sendo, um centro importantíssimo da vida cultural e política estudantil da vanguardista obra de Edgar Santos. O Ex-Governador Roberto Santos, seu filho, se vivo fosse, seria o primeiro a protestar contra a anulação desta justa reivindicação da UFBA. Os argumentos contra seu tombamento chegam a ser ingênuos.
Cabe ao prefeito ouvir o apelo da sociedade e reavaliar sua decisão em favor da preservação de parte importante da memória de Salvador, para que não tenhamos de lamentar, como Drummond, a perda da identidade de sua cidade natal: “Itabira (Salvador) é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”