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Belchior o rei mago da cantoria

  • 07 de Agosto de 2022

Belchior, poeta e cantor, passou pela vida como o rei mago que trouxe o brilho do ouro e desapareceu. Nascido em Sobral, CE, de origem sefardita, foi cantador e repentista em feiras. Em 1962, mudou-se para Fortaleza, onde frequentou colégio de padres, estudou filosofia, canto coral e se recolheu ao Mosteiro de Guaramiranga, de frades italianos.  Cursou medicina pela metade e a abandonou para se dedicar à música.  

Em 1971 se transferiu para o Rio de Janeiro e no ano seguinte para São Paulo, onde viveu na maior penúria retratada na música “Sujeito de sorte”: Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro/ Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro. Quando Elis Regina pediu para ele ir a seu estúdio, para gravarem uma música sua, ele disse que não tinha como ir. Ela disse que mandaria um carro para lhe pegar e ele respondeu: de preferência na hora do jantar.  

Belchior encontrava alívio para suas angústias existenciais no canto compartilhado, filosofando sobre a vida e a morte, a inexorabilidade do tempo, a relatividade da verdade e da felicidade, mas também sobre o amor, a arte e o futuro. Meu bem, talvez você possa compreender a minha solidão./ O meu som e a minha fúria e essa pressa de viver/ e esse jeito de deixar sempre de lado a certeza/ e arriscar tudo de novo com paixão [...] Meu bem, vem viver comigo/ vem correr perigo/ vem morrer comigo (“Coração Selvagem”, Inspirado em C. Lispector).  

Não tenho sido, eu sou, não serei, nem fui/ A gente quer ter, mas querendo era/ Pois só sem desejos é que se vive o agora (Velho Ipê). Minha dor é perceber/ que apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos/ ainda somos os mesmos, e vivemos/ como os nossos pais (magistralmente cantada por Elis Regina). O que há algum tempo era jovem, novo,/ hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer (Velha roupa colorida). 

Era feito aquela gente honesta, boa e comovida/ que caminha para a morte pensando em vencer na vida (Pequeno perfil de um cidadão comum). No fundo do prato, comida e tristeza/ a gente se olha, se toca e se cala/ e se desentende no instante em que fala (Na hora do almoço).  A minha alucinação é suportar o dia-a-dia/ e meu delírio é a experiência com coisas reais:/ um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha (Alucinação). A felicidade é uma arma quente, quente (C. a respeito de John). 

Ele não perdia a esperança e a vontade de lutar contra as injustiças: Mas veio o tempo negro e a força fez comigo/ o mal que a força sempre faz./ Não sou feliz, mas não sou mudo./ Hoje eu canto muito mais (Galos, noites e quintais)Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não, eu canto (A divina comédia humana). E eu quero é que esse canto torto,/ feito faca, corte a carne de vocês (A palo seco). 

Como a supernova da anunciação de Jesus, ele estourou nas rádios e TVs e desapareceu. 

 


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