Artigos de Jornal


O corpo como capital

  • 19 de Fevereiro de 2023

Em 13/04/2014, publiquei neste jornal a crônica “O culto brasileiro pelo belo” em que evocava a unidade Bondade, Beleza e Verdade de Santo Agostinho e afirmava: “Coube a Friedrich Nietzsche, em 1886, mostrar o antagonismo destes três conceitos. O culto brasileiro ao belo parece confirmar as observações de Nietzsche. Aqui o belo é um valor dissociado e até antagônico aos demais itens da tríade. Exemplo disto é a proliferação de lojas de decoração, academias de ginástica, spas, salões de beleza, clínicas de cirurgia plástica e ortodontia, que nada têm a ver com o bom e o verdadeiro [...]”

“Nenhum profissional ou boutiqueira que se preze dispensa um decorador para dourar seu consultório ou loja com móveis de design não necessariamente cômodos [...] Esta preocupação estética não se restringe aos espaços de trabalho ou morar, se estendendo ao próprio corpo, num narcisismo próprio dos brasileiros [...] “Algumas mulheres fazem operações plásticas periódicas para diminuírem ou aumentarem os seis, os glúteos e culotes em função da moda [...]. Também os homens já aderiram a esta prática para mostrar o tórax malhado sem fazer esforço, ou eliminar barrigas hemisféricas, “pneus” e carecas [...]”. 

De 2014 para agora o mercado multimilionário do corpo incorporou as tatuagens, as harmonizações faciais e as cabeleiras coloridas. Selfie, selfie meu, há alguém mais bonito que eu? Quem melhor formulou que o corpo é um capital no Brasil foi a antropóloga e professora da UFRJ Mirian Goldenberg em seu livro A invenção de uma bela velhice, Ed. Record. Se você não tiverem tempo de ler o livro, assistam sua palestra no Café Literário da TV Cultura: https://www.youtube.com/watch?v=O3-7d0zQ0zU.

Convidada a expor o tema na Alemanha ela entrevistou muitas alemãs sobre a velhice e elas exaltaram as suas realizações profissionais e intelectuais. No Brasil, onde ela fez uma pesquisa com 1.700 pessoas dos dois gêneros de 20 a 92 anos, os homens respondem como as alemãs, mas a grande maioria das mulheres só falava do envelhecimento do corpo. Apesar dos grandes investimentos no corpo, envelhecem precocemente e se tornam invisíveis.

Uma mulher ou homem siliconado está mais para propaganda enganosa que para a verdade. Sua beleza não corresponde ao bem. Um cantor popular daqui quase morreu por abusar de anabolizantes para aumentar a massa muscular e se apresentar de peito nu a suas fãs.

A idade é um estado de espirito. Para não envelhecer a pessoa deve investir na criatividade e ter um projeto de vida. As mulheres devem se libertar da prisão do casamento, quando têm que cuidar da casa e da família.  Estas, casadas ou separadas, após os 60 anos se inscrevem em corais, clubes de dança e faculdades ou viajam. Os homens, mais livres na juventude, querem na velhice a segurança da família. A felicidade é a difícil união da segurança com a liberdade (Zygmunt Bauman).

 


Últimos Artigos