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Na fila da vacina de influenza

  • 30 de Abril de 2023

Impliquei com a denominação, pois sempre usamos o nome gripe, especialmente depois da espanhola, que na verdade foi levada para a Europa por soldados norte-americanos durante a Primeira Grande Guerra e chegou ao Brasil em 1918. A denominação influenza, embora de origem latina, é inglesa, mas foi universalizada pela Organização Mundial(USA) da Saúde.

Pouco importa a denominação, fui me vacinar induzido por meus filhos no 5º Posto de Saúde, num dia de mutirão de vacinas. Havia uma fila quilométrica de carros para a vacinação drive in, a modalidade preferida pela classe média que não gosta de se misturar com o povão pé-de-chinelo, na velha distinção medieval de classes: cavaleiros e peões. Essa dica despertou minha curiosidade em saber a origem das palavras vacina e influenza, e descobri que elas também eram medievais.

Vacina era o pus de pequenas pústulas nas tetas das vacas que inoculadas nos humanos podia imunizá-los contra a varíola. Influenza é um termo também antigo, e surgiu na crença da influência dos astros nas doenças humanas. Saí do Google confortado com esta explicação poética/sanitária e a certeza que as vacinas avançadíssimas da Pfizer, AstraZeneca, Janssem e Butantã não diferem muito das medievais.

Com uma pitada de culpa de estar furando a fila de meus pares, fui estacionar numa transversal próxima e me apresentei na entrada principal dos peões. A atendente me disse que já estava encerrada a entrada. Expliquei que havia passado em dois outros postos de saúde, mas estavam fechados. Ele me mediu de cima a baixo e perguntou minha idade. Respondi em surdina para não ser ouvido pelos circundantes. Ela, em um ato de caridade cristã ou leniência funcional, me mandou entrar. Era um salão imenso com uma fila de cadeiras em zig-zag e algumas centenas de pessoas sentadas. Todos me olhavam com desprezo por ser um peão extranumerário, mas logo os olhares se dividiram para mais oito contrabandeados.

O jogo de senta-levanta das cadeiras andava rápido e uma só enfermeira repetia centenas de vezes o mesmo gesto, enchia a seringa furava o braço do primeiro da fila, mostrava a seringa e jogava numa caixa. Pensei comigo, essa moça trabalhando desde a manhã vai sofrer uma LER, a Lesão por Esforço Repetitivo. Lembrei-me do filme Tempos Modernos de Chaplin, em que um operário de uma linha de montagem quando voltava para casa não podia ver uma mulher com vestido com botões que ele não quisesse apertar. Vislumbrei a enfermeira na fila do ônibus espetando com uma agulha todas as pessoas que subiam no coletivo.

Já escurecendo tomei a minha furada e saí. A fila de carros era a mesma. Perguntei à atendente se eles seriam vacinados? Ela olhou para o céu e disse: o sol não ajudou, eles vão ter que dormir nos carros ou acordar amanhã de madrugada se quiserem não sofrer a influenza.

SSA: A Tarde, 30/04/2023


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