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Centro antigo: repovoá-lo ou abandoná-lo

  • 03 de Março de 2024

CENTRO ANTIGO: REPOVOÁ-LO OU ABANDONÁ-LO

Paulo Ormindo de Azevedo

“2,6 mil casarões estão em ruína no Centro Antigo de Salvador”, estampavam os jornais no dia 26 do mês passado. Em menos de um mês dois importantes sobrados da RMS ruíram: o tradicional Restaurante Colon, no Comércio, e o Hotel Colombo, peça importantíssima do frontispício de Cachoeira. Felizmente não morreu ninguém. Dos 2.829 imóveis vistoriados pela Codesal, 1.617 apresentavam risco médio de ruir, 287 apresentavam risco alto e 120 muito alto. Apenas 170 não corriam riscos imediatos. Muitos desses imóveis ainda são habitados e seus desabamentos podem matar não só eles, como transeuntes e passageiros de carros. O arruinamento do Centro Antigo passou a ser considerado um fato natural. O poder público apenas coloca muletas nesses imóveis. Em meados de 2015, foram demolidos 31 sobrados, na Ladeira da Montanha, autorizados pelo IPHAN, para evitar tais mortes.

A preservação no Brasil tem três etapas. A primeira, chamada de heróica, vai de a fundação do IPHAN, em 1937 por Rodrigo M.F. de Andrade, até sua aposentadoria em 1967. Neste período a tônica foi o monumento isolado. A segunda etapa foi de 1967 a 1979 sob a gestão do Arq. Renato Soeiro e é conhecida pelo Programa das Cidades Históricas, PCH, que elaborou e executou Planos Diretores de Preservação para Paraty, no Rio de Janeiro; Ouro Preto, em Minas Gerais; Pelourinho e Cachoeira, na Bahia; Laranjeiras e São Cristóvão, em Sergipe. Projeto, bancado pela Secretaria de Planejamento da Presidência de República e pelo IPHAN, que financiava 75% das obras e o Estado 25%. Foi o período áureo da preservação no Brasil. A terceira etapa se inicia com a presidência do IPHAN por Aloísio Magalhães, tendo como foco o patrimônio imaterial e, naturalmente, com recursos intangíveis.    

O Pelourinho se despovoou. Em 1991, tinha 11.947 habitantes, em 2010 baixou para 5.985.  Suas causas foram: a retirada das atividades centrais, com a criação do CAB e do Centro Iguatemi e a exclusão dos moradores em 1992. Um imóvel só é conservado se for cuidado por seu dono. Cerca de 511 sobrados estão fora dessa condição, na mão do estado (307) e de irmandades religiosas (204). Com a Profa. Márcia Sant’Anna da UFBA, realizamos uma pesquisa em 11 das 32 associações de moradores daquela área e todas elas defendiam a moradia e a requalificação profissional de seus membros.

Em 2019 fiz um relatório para a UNESCO/FMLF mostrando que esses imóveis poderiam ser estabilizados e voltar a ser habitados com o programa Minha Casa, Minha Vida, a um preço baixo, pois o Centro Antigo tem infraestrutura de água, esgoto, transporte público e serviços. Tínhamos, na época, 1400 imóveis em ruínas e poderíamos criar ali 14.478 habitações. Hoje seriam muito mais. É uma ilusão a gentrificação. A burguesia não aceita um condomínio com quartos iluminados por poços, sem garagem e playground, e não se preserva um CH apenas com hotéis 5 estrelas.

SSA: A Tarde, 03/03/2024

 


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