Artigos de Jornal
Salvador e a Copa de 2014
A realização da Copa poderá ser uma oportunidade para se deflagrar algumas
melhorias urbanas em Salvador, como conseguiram outras cidades sedes de Copas. O
Governo do Estado anunciou três grandes obras. A construção de uma arena, uma
ponte para Itaparica, que nada tem a ver com a Copa, e a ampliação do aeroporto
num total de R$ 3,0 bilhões. Tudo realizado em parcerias público-privado com
contrapartida do PAC-Copa pedido a Dilma.
A imagem que se tenta vender é a de Barcelona, transformada com as Olimpíadas de
92. Mas é preciso dizer que o sucesso de Barcelona se deve mais a um plano
estratégico urbano referencial, que captou enormes investimentos da União
Européia, do que às Olimpíadas, que apenas aumentou sua visibilidade. Muitas
outras cidades que sediaram Copas, como México(86), Roma(90) e Los Angeles(94),
sem um projeto urbano, não ganharam nada.
Não se pode comparar Salvador com Barcelona. Há trinta anos o Estado vive à
deriva. As últimas iniciativas de planejamento se devem a Rômulo Almeida, com os
projetos do CIA (66) e o Copec (78). No vazio do estado, as construtoras
oferecem projetos carimbados, no velho esquema da Gautama, que não levam a nada.
Quem são os técnicos que planejaram essas obras e que Conselho da Cidade as
aprovou?
A ampliação do aeroporto já teria sido descartada, pois a Infraero considera a
obra desnecessária. A nova arena de R$600 milhões corre grande risco de não
encontrar parceiro privado, pois a FIFA afirma que são necessários quatro
grandes times para dar sustentação a uma arena. A Bahia tem dois e três
estádios. Mesmo interditando o Barradão e o Pituaçu não dá. Resta a ponte, que
envolve enormes interesses corporativos e imobiliários. Só não se sabe se ficará
pronta a tempo, a julgar pelo metrô, mas o governo não desiste.
Que benefícios trarão tal ponte? Para os governantes e empresas imobiliárias
ampliar o mercado hoteleiro e habitacional de classes alta e média. Mas
inevitavelmente surgirão alagados e favelas. Ora, o Estado, que não foi capaz de
desenvolver um plano para a Região Metropolitana, RMS, compreendendo, entre
outros projetos, o metrô e a hidrovia, quer agora criar uma ponte para ocupar as
ilhas. Cerca de 70% da atividade produtiva do Estado se concentra nas terras
firmes da RMS, onde abundam milhões de km2 de terrenos planos próprios para a
habitação e belas praias subutilizadas. A ponte de Itaparica já nasce caduca,
como a política automobilística dos anos 70. O descongestionamento da cidade é
outro sofisma, a via que leva é a mesma que traz.
Que impactos negativos provocará a ponte na cidade? Imaginem as carretas e
ônibus da BR-101 e os carros da região de Santo Antonio de Jesus e Jequié
atravessando Salvador com destino ao Polo Petroquímico e às praias do Litoral
Norte. Pensem estes veículos entrando por elevados e trevos na pitoresca Monte
Serrat, entupindo o Américo Simas, a Montanha, a Contorno e a San Martin para
chegarem ao Iguatemi. Para ali convergirá o trafego de três rodovias: BR-324,
BR-101 e Estrada do Coco atando um nó-cego. Imaginem, por fim, uma das mais
belas baias do mundo cortada por um monstrengo como o nosso metrô, atrapalhando
a paisagem, a navegação e o turismo.
Nossos empresários ainda não perceberam que tal esquema está esgotado e que
políticos não se sustentam com projetos de efeito, senão com planejamento e
políticas sérias de médio e longo prazo. Essa convergência de interesses
resultou em fracassos monumentais em Salvador, como o Aeroclube, o metrô, as
barracas de praia, o PDDU e o tamponamento dos rios urbanos. O país mudou, hoje
temos uma sociedade civil aguerrida, Ministérios Públicos atuantes e a internet.
Com os R$1,5 bilhões da ponte se criaria um arco rodoviário e uma rede de metrô
de superfície para integrar a RMS e livrar Salvador, de uma vez, da sina de
dormitório metropolitano. Veneza tem uma baia bem menor que a nossa e centenas
de pontes, mas nenhuma tão tristemente famosa como a dos Suspiros, que liga o
Palácio dos Doges à prisão. A ponte de Itaparica poderá ser a nossa Ponte dos
Suspiros, uma travessia sem volta.
SSA: A Tarde, 06/09/09