Artigos de Jornal
Salvemos Salvador, enquanto é tempo
O 460º aniversario de Salvador passou quase despercebido. Realmente não há
muito a comemorar. Em 60 anos de “laissez-faire” a cidade acumulou índices
assustadores de compactação demográfica e veicular, concentração de pobreza,
insegurança e destruição do meio ambiente, que apontam para seu colapso em curto
prazo. A cidade possui hoje 4.172 hab por km2, densidade superior a de Bombain,
2ª colocada. Para piorar, a urbe se transformou, por falta de política
metropolitana, no dormitório e provedor das necessidades de 3,76 milhões de
moradores da Grande Salvador. Camaçari, Lauro de Freitas, Simões Fo e Candeias
juntos faturam receita igual à de Salvador transferindo para esta o passivo de
serviços e infra-estrutura.
Seu déficit habitacional é de 100 mil habitações, dos quais 80% são de famílias
fora do mercado imobiliário. Para satisfazer aos 10% dos candidatos com renda
superior a 5 SM o novo PDDU consentiu que o setor imobiliário devorasse as
entranhas verdes da cidade, a orla e os bairros consolidados. Cerda de 35.000
novos automóveis e o dobro de motos são licenciados a cada ano. O metrô de
Salvador, cuja construção dura 6 anos, é dos mais caros do mundo. Terá 6 kms, 6
trens, e custará R$ 1,16 bilhões, se inaugurado em 2010. No Recife, o metrô foi
construído em dois anos, tem 34,7 km, 25 trens, transporta 180 mil por dia e
custou R$ 750 milhões, segundo H. Carballal (A Tarde, 23/03/09). Isto
para não falar no seu impacto ambiental e déficit operacional.
As duas saídas rodoviárias da cidade, a Paralela e a BR-324, estão no seu limite
e ainda se fala em construir uma ponte para Itaparica para trazer os caminhões
da BR 101 para o nó do Iguatemi, ao invés de construir um arco rodoviário. Isto
quando Manhattan e cidades européias cobram pedágios e proíbem a construção de
novas garagens para evitar a entrada de mais carros. Em Salvador alguns
apartamentos centrais têm até seis vagas. Não há planejamento nem qualificação
dos projetos públicos, que são oferecidos pelas empreiteiras interessadas, vide
a ponte de Itaparica e o parque da Vila Brandão. A Sedham funciona como uma
Defesa Civil, mais que um órgão de planejamento. As licitações são feitas em
função do menor preço, ou seja, do pior projeto e menor tempo. O desperdiço é
grande, viadutos são construídos e não servem para nada, as ruas são refeitas a
cada inverno. O Pelourinho é recuperado todo o ano. Os conjuntos habitacionais,
sem serviços, são novas favelas, estão se desfazendo. E vai-se implodir o parque
olímpico da Fonte Nova, cujo laudo da Politécnica diz ser recuperável, para
construir uma nova arena menor e um shopping, para dois dias de festa. O que
acontecerá com a Copa, se chover, com a cidade alagada e parada como se viu há
pouco.
As questões ambientais têm o mérito de nivelarem todos. Os condomínios fechados
da Paralela foram invadidos por barbeiros, dengue, sapos, lagartos e cobras. O
Sr. Prefeito teve que mudar de casa e gabinete, mas prefere trocar postes cinzas
por azuis, que rever um PDDU aprovado com 180 emendas de ultima hora. A classe
media já não suporta os engarrafamentos e se tranca em torres e condomínios
mistos de vida monástica, com celas, refeitório, oficinas, botica e orações
televisivas no mesmo lugar. Considerada Patrimônio da Humanidade, Salvador
mergulha hoje na mediocridade imobiliária. Fernando Peixoto lamentou a
“paulistização” da cidade, Arilda Cardoso denunciam a perda de patrimônio
histórico e verde. Neilton Dórea constata: “hoje há uma arquitetura
dependente... A maioria (dos arquitetos) é desenhador de uma vontade
empresarial” (Muito, de 29/03/09).
Mas não devemos ser pessimistas. A sociedade civil se organiza em movimentos
como “A Cidade também é Nossa” e “Vozes da Cidade”, os ministérios públicos,
federal e estadual, assumem o papel que lhes cabe. Não é desmatando, segregando
e verticalizando que se vai resolver os problemas de Salvador, senão pensando
grande e democraticamente, compreendendo que Salvador só tem saída na Região
Metropolitana. São estas questões que cidadãos, ricos e pobres, de Salvador
querem discutir, antes que a cidade entre em colapso completo.
SSA: Tarde, 23/07/09