Artigos de Jornal
Meio século depois do encantamento
Em 1893, o norte-americano Frank Lloyd Wright começou a projetar uma nova
arquitetura, sem a pretensão de criar uma escola, 26 anos antes de Gropius
fundar o Bauhaus e Le Corbusier começar a codificar a Arquitetura Moderna. Como
Walt Whitman, ele foi um apaixonado pela natureza e pelos ideais democráticos de
uma sociedade de foragidos, pioneers e imigrantes. Desenvolveu, ao par com a
elaboração de cerca de mil projetos, 50% dos quais construídos, uma enorme
atividade literária, constituída por conferências, artigos, livros e uma longa
autobiografia.
No início dos anos 60, vivi um semestre na cidade de Madison, Wisconsin, onde
Wright fez sua formação e abandonou o curso de engenharia para ir trabalhar com
um dos maiores arquitetos da época, Louis Sullivan. Havia lido tudo sobre sua
obra e visitei o que foi possível, na região dos Grandes Lagos, onde está
concentrada a maior parte de seu acervo, as praire houses, ou casas da pradaria.
Habitações rurais ou suburbanas, que se fazem anunciar por caminhos empedrados,
lanternas, fontes, árvores e generosos telhados em balanço convidando a entrar.
Casas esparramadas, que é difícil dizer onde começam e onde terminam, todas com
o mesmo espírito, modestas ou burguesas, e detalhadas até o mobiliário e a
decoração.
Embora protestante, ele era na prática um panteísta, com enorme amor pela
natureza e fé nos homens e no futuro, como afirma: “É frequente os filósofos
dizerem que a natureza é a expressão do poder de Deus. Eu prefiro dizer que a
natureza é apenas o corpo de Deus, que nós sempre podemos ver”. Mais adiante
afirma: “Na máquina está o único futuro da arte e do artesanato e eu acredito,
um futuro glorioso”.
Com este respeito à natureza, ele desenhou casas com telhados que se projetavam
como galhos de árvores, alvenarias de pedra que brotavam do deserto como cactos,
a exemplo de Ocatilla Desert Camp e Taliesin West. Ou ainda templos que subiam
para o céu como as montanhas, a exemplo da sinagoga Beth Sholon e da Unitarian
Church. Em seus dois ateliês-escolas, Taliesin East, que visitei após sua morte,
professores e estudantes, além de recitarem, tocarem, tinham que cultivar a
terra, como as comunidades hippies que surgiriam mais tarde. O projeto da
Broadacre City, de 1934, antes da popularização do carro e das autoestradas, com
lotes de um acre para seus moradores se autoabastecerem, foi uma premonição da
suburbia, que envolveria as grandes cidades americanas, no pós-guerra.
Esta concepção de vida o levou ao Japão, onde viveu de 1916 a 1922, e projetou
casas, uma escola e o Imperial Hotel, que flutuava sobre a lama e que sobreviveu
ao terremoto e incêndio de Tóquio de 1923 e à Península de Yucatan, no México,
onde se apaixonou pelos templos escalonados maias e seus baixos-relevos. Estes
contatos com a arquitetura oriental e mesoamericana marcariam sua obra, numa
época em que a cultura ocidental desprezava tudo que não fosse europeu.
A arquitetura orgânica, uma categoria que ele criou e que os críticos aplicam
não só a sua arquitetura, mas à egípcia, medieval e maia, não era apenas uma
adequação ao meio ambiente, mas também à função, num processo que tem paralelo
na fisiologia, em que forma e função mantêm uma relação indissociável. Assim,
ele rejeitava toda tradição formalista clássica, com seus cânones e clichês, da
qual o Internacional Style era o herdeiro. O arquiteto ao invés de projetar de
fora para dentro, deveria partir da lareira, de onde se irradia o calor e deriva
o termo lar, para as salas e alas dos quartos e dependências, indo desabrochar
no exterior, numa sucessão, sem regras fixas, de espaços contínuos.
Em 1931, Wright esteve no Rio durante três semanas. Veio para julgar o concurso
do Farol de Colombo, a ser edificado em Santo Domingo, na República Dominicana,
mas se envolveu com os estudantes, que faziam greve em protesto pela renúncia
forçada de Lucio Costa da direção da Escola de Belas Artes, escrevendo artigos
em sua defesa.
Ele relata este episódio em seis páginas de sua autobiografia e ficou
sensibilizado com a serenata que os alunos fizeram em homenagem a ele e sua
esposa em frente ao Copacabana Palace. Lucio Costa conta que em uma das visitas
à cidade, Wright se sensibilizou com uma casa de Warchavchik na Rua Toneleiros.
Seu balcão teria inspirado a mais famosa obra de Wright, a Casa da Cascata.
Wright aparentemente nunca tomou conhecimento deste comentário.
Frank Lloyd Wright morreu, ou melhor se encantou, como diria Graciliano Ramos,
em 1959. Diante da crise da Arquitetura Pós-Moderna, perdida no show midiático e
da especulação imobiliária, a obra de Wright, 50 anos após sua morte, surpreende
pela atualidade e aponta alternativas para problemas que só agora a humanidade
tomou consciência.
SSA: A Tarde, caderno Cultural, de14/04/2009