Artigos de Jornal
Arquimemória
Quando em 1937 se instituiu a proteção ao patrimônio no Brasil, tínhamos 40
milhões de habitantes, dos quais 25% eram urbanos. Hoje temos 180, dos quais
apenas 20% são rurais. Na base do “deixe como está para ver como é que fica”,
autoridades municipais transformaram cidades em metrópoles caóticas. Uma
verdadeira “maré vermelha” de carros provoca engarrafamentos gigantes em nossas
capitais. A segregação sócio-espacial explode em violência, em que é difícil
distinguir a vitima do agressor, separados por cercas eletrificadas e véus fumês
dos carros.
Neste cenário, bairros, jardins, monumentos e valores urbanos se degradam. Como
evitar este desastre? É o que o Departamento da Bahia do Instituto de Arquitetos
do Brasil, com o apoio do Governo do Estado, da academia, da CEF e do CREA-Ba,
quer discutir com a sociedade e especialistas do país e da Europa, em seminário
sobre desenvolvimento e preservação. O ArquiMemória 3, Encontro de Arquitetos
Sobre a Preservação do Patrimônio, será aberto no próximo dia 8 no Centro de
Convenções da Bahia. Esta é a primeira vez, em 20 anos, que este problema será
discutido em público.
Nossas cidades não possuem planejamento e confrontos explodem entre falsos
desenvolvimentistas e supostos preservacionistas. Por outro lado, a setuagenária
lei de tombamento não consegue evitar a deterioração de nossos centros e cidades
históricas. Criam-se, assim, dois partidos radicais: os que querem liberar tudo
e os que querem tombar tudo. Esse conflito poderia ser evitado com um
planejamento participativo, transparente e tecnicamente sustentável. Na área
rural tivemos mais sorte e já começam a surgir no país mini-parques privados,
sem custo para o estado e bem cuidados.
A Constituição de 88 criou novos instrumentos de preservação, como o inventario,
e tirou da União a exclusividade do patrimônio. Com isso, alguns estados e
municípios passaram a realizar grandes requalificações urbanas, como o
Pelourinho, o Corredor Cultural carioca, o bairro do Recife e o porto de Belém.
Com a diversificação de agentes, alguns bancos, como a CEF e o BID, passaram a
financiar a recuperação de velhos pardieiros, que são outra forma de favela. Mas
não basta.
A realização deste encontro em Salvador não foi por acaso. Primeira capital do
país, pioneira da preservação da cultura em 1927, e do planejamento em 1943 e
Patrimônio Mundial desde 1983, esta cidade é hoje o retrato da desregulamentação
e desestruturação urbana, porto livre de especuladores imobiliários. O que
queremos discutir são as bases do desenvolvimento urbano, para que possamos ter
cidades menos paralíticas, desmemoriadas, desiguais, violentas e feias. Este é o
patrimônio que queremos construir hoje, sem renegar o passado, para preservar o
futuro.
SSA- A Tarde, 07/06/08