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Arquimemória

  • 07 de Junho de 2008

Quando em 1937 se instituiu a proteção ao patrimônio no Brasil, tínhamos 40 milhões de habitantes, dos quais 25% eram urbanos. Hoje temos 180, dos quais apenas 20% são rurais. Na base do “deixe como está para ver como é que fica”, autoridades municipais transformaram cidades em metrópoles caóticas. Uma verdadeira “maré vermelha” de carros provoca engarrafamentos gigantes em nossas capitais. A segregação sócio-espacial explode em violência, em que é difícil distinguir a vitima do agressor, separados por cercas eletrificadas e véus fumês dos carros.
Neste cenário, bairros, jardins, monumentos e valores urbanos se degradam. Como evitar este desastre? É o que o Departamento da Bahia do Instituto de Arquitetos do Brasil, com o apoio do Governo do Estado, da academia, da CEF e do CREA-Ba, quer discutir com a sociedade e especialistas do país e da Europa, em seminário sobre desenvolvimento e preservação. O ArquiMemória 3, Encontro de Arquitetos Sobre a Preservação do Patrimônio, será aberto no próximo dia 8 no Centro de Convenções da Bahia. Esta é a primeira vez, em 20 anos, que este problema será discutido em público.
Nossas cidades não possuem planejamento e confrontos explodem entre falsos desenvolvimentistas e supostos preservacionistas. Por outro lado, a setuagenária lei de tombamento não consegue evitar a deterioração de nossos centros e cidades históricas. Criam-se, assim, dois partidos radicais: os que querem liberar tudo e os que querem tombar tudo. Esse conflito poderia ser evitado com um planejamento participativo, transparente e tecnicamente sustentável. Na área rural tivemos mais sorte e já começam a surgir no país mini-parques privados, sem custo para o estado e bem cuidados.
A Constituição de 88 criou novos instrumentos de preservação, como o inventario, e tirou da União a exclusividade do patrimônio. Com isso, alguns estados e municípios passaram a realizar grandes requalificações urbanas, como o Pelourinho, o Corredor Cultural carioca, o bairro do Recife e o porto de Belém. Com a diversificação de agentes, alguns bancos, como a CEF e o BID, passaram a financiar a recuperação de velhos pardieiros, que são outra forma de favela. Mas não basta.
A realização deste encontro em Salvador não foi por acaso. Primeira capital do país, pioneira da preservação da cultura em 1927, e do planejamento em 1943 e Patrimônio Mundial desde 1983, esta cidade é hoje o retrato da desregulamentação e desestruturação urbana, porto livre de especuladores imobiliários. O que queremos discutir são as bases do desenvolvimento urbano, para que possamos ter cidades menos paralíticas, desmemoriadas, desiguais, violentas e feias. Este é o patrimônio que queremos construir hoje, sem renegar o passado, para preservar o futuro.
SSA- A Tarde, 07/06/08


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