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Salvador, Capital Mundial
Com este título pomposo e clima de Milagre do Pre-Sal, os governos municipal
e estadual apresentaram ao publico, no ultimo dia 28, um cesto de 22 projetos
urbanos, a maioria já em andamento ou conhecidos e outros novos elaborados como
os demais em surdina, por empresas e ONGs privadas. A apresentação chic era
claramente dirigida à dobradinha empresários/políticos. O Zé Povinho ficou de
fora, guardando os carros. Uma cidade mundial pressupõe um grande centro
financeiro, de inovação tecnológica, de cultura, design e moda. Talvez só São
Paulo e Buenos Aires possam pretender este titulo na America do Sul. Na saída
todos se perguntavam onde terminava a fantasia tropical e começava o mundo real.
Não se trata, evidentemente, de um plano urbanístico, senão de uma cesta de
projetos independentes oferecidos pelos empresários, o que reafirma a
dependência e a incapacidade da Prefeitura e Estado de planejar. Salvador foi
apresentada como uma ilha sem ligação com a Região Metropolitana – RMS. De um
modo geral todos os projetos procuram valorizar as áreas de maior potencial
imobiliário, a Orla do Atlântico e a bela enseada do Canta Galo. Os projetos
viários seguem o paradigma, já superado, da mobilidade sobre pneu, diante do
veto da associação dos donos de ônibus ao VLT.
Não se discute como conciliar o ultrapassado porto urbano com a abertura para a
baía, nem o impacto da ponte de Itaparica sobre Salvador, ou a articulação do
metrô com o sistema de transporte, o uso do solo, a habitação popular, o turismo
e a cultura, molas do desenvolvimento da cidade. A maioria dos projetos terá
forte impacto ambiental e social, especialmente as Avenidas Atlântica e Linha
Viva e de urbanização do Canta Galo, este estribado em um instrumento, a
Concessão Urbanística, que só reconhece o direito à propriedade do grande
capital. A expropriação da pequena propriedade sem justa causa para entregar a
grupos imobiliários é inconstitucional.
Ressalve-se, contudo, que é primeira vez que os dois governos expõem o que
pretendem fazer. Sob pressão da Sociedade Civil e da mídia esboça-se uma mudança
cautelosa de atitude. O Prefeito reconhece que Salvador precisa de um plano
urbanístico e que só pode sair do buraco fazendo alianças com o Estado e a
União. Reconhece ainda que o atual PDDU não atende à dinâmica da cidade e que é
preciso modificá-lo. O convite do Prefeito á discussão deixa claro que ele sabe
que já não se pode governar sem ouvir os setores organizados da sociedade, que
têm nos Ministérios Públicos Estadual e Federal fortes aliados.
Coincidentemente, essas são todas teses defendidas por movimentos da sociedade
civil como “A Cidade também é nossa”, que inclusive moveu uma Ação Civil Pública
contra o famigerado PDDU. Tal movimento vem se ampliando com a adesão do outros
movimentos, como “Vozes de Salvador”, associações de bairros e ONGs e apoio do
Ministério Publico. O Prefeito e o Governador só não admitiram o principal,
medidas para desprivatizar o sistema de planejamento, que libertaria o governo
da dependência técnico- financeira do setor imobiliário e do monopólio do
“consorcio” das grandes empreiteiras. Sem isso que garantias têm a sociedade da
aplicação de recursos públicos com critérios sociais, técnicos e lisos. Não
queremos ver se repetir os escândalos do metrô, do PDDU e do lixo. Queremos
dialogar sim, mas dentro de um sistema de planejamento continuado, técnico,
participativo e retroalimentado e não sobre projetos contaminados pelo vírus
cavalo de tróia, que mata e apaga a memória do setor público.
É possível criar uma instancia de planejamento publico não comprometida, como
fizeram outros estados e cidades, restaurando o estado, recuperando órgãos como
o Derba e a Conder, mobilizando a UFBa, a UNEB e associações profissionais. Não
falta know how, nem agencias para financiar: BNDES, Finep, CNPq, FAPESB.
Planejar não é uma atividade simplesmente técnica, é essencialmente política, e
o estado não pode se omitir ou receber projetos de regalo. O que falta é decisão
política, cuja demora compromete governos que se pretendem modernos,
democráticos e transparentes.
SSA: A Tarde, 07/02/10