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Esperando o bonde

  • 16 de Maio de 2010

Morávamos na Barra Avenida e poucas famílias tinham carro, na época. A maioria dos seus moradores era de classe média, mas havia também alguns ricos e muitos modestos, que viviam em uma das muitas “avenidas” da cidade. Nós, estudantes, nos encontrávamos no ponto do bonde e entabulávamos conversas que eram interrompidas abruptamente num ponto, com a famosa frase de Imbrain Sued: depois eu conto... Éramos todos moleques, independente da origem, no bom sentido da palavra, que pongávamos e nos divertíamos no bonde. Havia filhos de comerciantes prósperos, funcionários públicos, mecânicos, operários e até de banqueiro. Não chegava a ser uma democracia sócio-racial, mas sem duvida o bonde socializava. Os abrigos da Sé e do Campo Grande, que reuniam uma multidão de estudantes da rede pública e privada, era uma festa ao meio dia e no final da tarde, com muita conversa, olhares e namoricos. No começo dos anos 60 os bondes foram abolidos a pretexto de atrapalhar o trânsito, para dar passagem aos milhares de carros produzidos no país. A popularização do carro privado deveria resolver tudo. Desde então deixamos de ter políticas de transporte público. Foi preciso a FIFA dizer que sem transporte de massa não haveria Copa. Surge assim o projeto Rede Integrada de Transporte - RIT, gentilmente presenteado à Prefeitura pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador - SETPS, que na primeira etapa deve ligar o Aeroporto ao Shopping Iguatemi, correndo pelo canteiro central da Av. Paralela. As etapas seguintes, bem mais complicadas, não têm prazo, nem orçamento. As construtoras e os donos de ônibus têm pressa de cobrar a fatura de R$ 570 milhões prometidos pelo BNDES. Criou-se, porém, uma polêmica sobre a motorização do sistema. A SETPS defende um sistema conhecido pelo nome cifrado de BRT – Bus Rapid Transit. Por outro lado, o Governo do Estado, que tem a chave do cofre federal, advoga a adoção do VLT – Veiculo Leve Sobre Trilhos. A decisão, que deveria ser técnica, está dependendo da sucessão senatorial. O BRT, como o nome indica, é um sistema de “busus” moderninhos trafegando em via segregada, como em Curitiba. O VLT é um bonde articulado muito comum na Europa trafegando no meio das ruas, nos trilhos dos antigos bondes, que nunca desapareceram completamente. Tem a vantagem de não poluir e ter uma manutenção baixa. Mas o adjetivo “leve” expressa bem que não é um transporte de massa. É o bonde moderno. Ambos podem servir como redes alimentadoras, transversais, do sistema de metrô, como nas cidades do México, Londres e Nova York. O vetor de expansão mais forte de Salvador é o norte. Já transbordou para Lauro de Freitas e esta chegando a Abrantes, em Camaçari. Nem BRT nem VLT darão conta da demanda de deslocamentos humanos na Região Metropolitana de Salvador – RMS nos próximos dez anos, quando a região terá seis milhões de habitantes. A RMS tem duplicado de população a cada vinte anos e terá doze milhões em 2040. As duas alternativas são um paliativo caro e não uma solução. Por que não se faz logo um metrô estruturante dessa expansão na Paralela, prevendo sua extensão até Camaçari ? Um metrô de superfície, sem desapropriações, nem galerias subterrâneas, como o da Paralela, não custaria muito mais que um VLT ou BRT. Os vagões estão ai, parados enferrujando e pagando pedágio. O metrô-tobogã da Bonocô até chegar a Cajazeiras, para que seja viável, demorará mais dez anos. Com essa solução dispensaríamos a abertura da Via Atlântica e Linha Viva, que provocarão grandes impactos sociais e ambientais e um montão de desapropriações. E o pior, não resolverá nada, pois só induzem a população a comprar mais carros. Temos que deixar de pensar pequeno. Lembro-me ágora das propagandas rimadas nos bondes, como a do Rum Creosotado, do Elixir de Nogueira e uma que dizia: “neste mundo todos são passageiros, só não o cobrador e o motorneiro”. Desconfio que esses também são passageiros do bonde da história. A conversa está muito boa, mas Vs. me dêem licença, porque um bonde ou um ônibus está chegando....atrasado. Depois eu conto... SSA: A Tarde, 17/06/12


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