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A Imperial Ponte D. Pedro II
A polêmica construção da ponte Salvador-Itaparica nos faz voltar a Cachoeira
há 125 anos atrás e rever sua lição. Desde 1754, a cidade reivindicava uma
passarela sobre o Paraguaçu ligando-a ao distrito de São Feliz. Os que tinham
parentes ou roça de fumo do outro lado, os apreciadores das jacas de Muritiba,
os fumantes de charutos e as devotas do Sr. Deus Menino se arrenegavam de cruzar
o rio em gôndolas tangidas a remo.
Em !865, o Imperador Pedro II, “o Magnânimo”, autorizou a construção de uma
ferrovia para trazer a produção mineral da Chapada Diamantina ao porto de S.
Felix e dali por barco até Salvador. Cachoeira não se conformou e exigiu uma
ponte ferroviária a atravessando e para justificar indo até Feira de Santana.
Quatro anos depois, a concessionária inglesa faliu. Em 1874, a Brazilian
Imperial Central Bahia Railway assume as obras.
Em !885, o sonho cachoeirano da ponte vira realidade. Mas logo os locais se
deram conta que enormes comboios entupiam as ruelas das duas urbes e
interrompiam a ponte durante uma hora, quando já não existiam mais gôndolas. Nas
grandes cheias as baronesas eram represadas pelo leito da ponte prolongando as
enchentes, o fedor e os mosquitos nas duas cidades.
Com a movimentação do porto, São Feliz consegue sua autonomia roubando de
Cachoeira a receita do fumo do porto e do comercio com a Chapada Diamantina. Por
outro lado, as cargas vindas do planalto eram levadas diretamente até Feira de
Santana e de lá, distribuídas. A partir do inicio do século XX, elas chegam ao
porto de Salvador por caminhão. Cachoeira perde assim sua função tradicional de
porto e o lendário Vapor de Cachoeira já não navegava mais no mar. Como se não
bastasse, a Ferrovia Central da Bahia é ligada diretamente a Salvador na década
de 40 marginalizando São Felix, Cachoeiras e Santo Amaro. A esta revolução da
logística se somou a crise das lavouras da cana e do fumo para determinar a
decadência do Recôncavo e o desenvolvimento de Feira de Santana e Alagoinhas
numa nova arrumação imprevista.
Com este exemplo quero demonstrar que uma ponte não é apenas uma obra de
engenharia arrojada ou tímida, bonita ou feia, mas uma intervenção capaz de
alterar o ordenamento espacial, a economia, a hierarquia das cidades e as
relações humanas regionais. A construção da Ponte Salvador-Itaparica irá
provocar grandes impactos em Salvador e Região Metropolitana, que deveriam ser
melhor avaliados antes de sua decisão.
A ligação da BR 242 á Estrada do Coco cruzando Salvador irá de imediato duplicar
a área de influência de Salvador, incorporando mais 16 municípios e 470 mil
novos clientes à sua já deficiente infra-estrutura de saúde, educação,
transporte, abastecimento, lazer e cultura, esvaziando cidades como Santo
Antonio de Jesus, Cruz das Almas e Valença que começavam a se consolidar como
pólos sub-regionais.
Enquanto S. Paulo cria o Rodo-anel para evitar o cruzamento da cidade pelo
trafego rodoviário, a Bahia cria o Rodo-nó do Iguatemi fazendo convergir para
aquele ponto três rodovias: BR-242, BR-324 e Estrada do Coco. A ligação do
Sudeste com o Nordeste por estradas litorâneas e ponte sobre a Baia de Todos os
Santos, além de manter a inacessibilidade e o atraso do Recôncavo tradicional,
irá tirar força de cidades enlaces rodoviários, como Feira de Santana e
Alagoinhas, atropelar Nazaré e Vera Cruz e congestionar, até o colapso,
Salvador, Lauro de Freitas e Camaçari com a passagem de 140.000 veículos dia .
Nada disto foi discutido com a sociedade, com a academia, que tem produzido
muito sobre a região e com as associações profissionais que ofereceram seus
préstimos. Mas a decisão já foi tomada e a ponte começa a ser construída com a
Via Expressa e proclamação dos vencedores da Manifestação de Interesse, que
devem concluir o projeto básico em 90 dias. De que vale audiências publicas a
posteriori, se a decisão já foi tomada e seus acessos já estão sendo feitos na
Rotula do Abacaxi? Resta-nos apenas recordar a lição da Imperial Ponte D. Pedro
II e rezar para que não tenhamos um segundo “metrô”.
SSA; A Tarde, 18/04/10