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A formiga e as cigarrinhas

  • 08 de Abril de 2011

Acabo de regressar de Portugal e Galícia por onde rodei 2.500 km. Portugal tem hoje uma infra-estrutura viária de primeiríssimo mundo. Desde que foi admitido na União Européia - UE, em 1995, Portugal recebeu generosa e interessada ajuda da UE devido a sua posição estratégica com excelentes portos no Atlântico. Os do Mediterrâneo e de Biscaia têm pouca expressão militar. É isso que explica sua excelente rede rodo-ferroviária. Pude assim visitar pequenas e grandes cidades, conversando com colegas de profissão e universitários, com o povo e ouvindo os debates na TV e nas rádios. Espanha recebeu também muita ajuda, mas as espalhou em um território bem maior. Pude assim perceber sentimentos que não afloram na mídia.

Com dinheiro fácil destinado a se integrarem à Europa, os governos ibéricos fizeram a festa, embelezando cidades, a exemplo de Barcelona, Valencia e Lisboa, realizando grandes eventos, como exposições internacionais, Copas do Mundo e Jogos Olímpicos, comprando trens balas, fazendo lindas pontes e estações ferroviárias, como a do Oriente, em Lisboa, e complexos culturais espetaculares, como a Cidade das Artes e Ciências em Valencia e a Casa da Musica no Porto. Parte desses créditos foi desviada para a América Latina para a compra de bancos, empresas de telefonia e distribuição de energia e água e realização de grandes empreendimentos imobiliários e hoteleiros.

Mas não investiram na modernização de suas indústrias e serviços. A competição da indústria européia e chinesa fez fechar estaleiros e fabricas de tecidos e sapatos, em Portugal, sem que seus governantes fizessem nada para impedir. A pesca já havia sido golpeada com a declaração dos mares territoriais. Em resumo, Portugal e Espanha, outrora grandes impérios, se desindustrializaram, voltando a ser simples exportadores de vinho, óleo de oliva, cortiça e pouco mais.

Enquanto isto, Alemanha, França e países nórdicos compraram a preço de ocasião fabricas no leste europeu e na Inglaterra e se tornaram lideres em muitos setores, como o da indústria automotiva, geração de energia, telefonia móvel, papel, etc. Por outro lado, a UE a partir de 2007, com a entrada dos países do leste europeu, passou a investir nesse novo front que inclui a Turquia, queira a França ou não, passagem obrigatória para o Oriente. A EU considera que já consolidou sua fronteira oeste e quer agora fortalecer sua fronteira leste, não podendo mais socorrer a Península Ibérica em seu canto outonal. O corte de 10% nos salários dos funcionários portugueses e de empresas estatais, o aumento dos impostos, o corte de bolsas e programas sociais para conter um déficit orçamentário de 4,6% em 2010, dói na economia familiar, apesar do custo de vida já ter sido rebaixado para metade do nosso. Pesa especialmente nos jovens, que não encontram emprego e pensam em emigrar. A palavra de ordem é austeridade, mas chega uma hora que a corda parte, como ocorreu com o primeiro ministro José Sócrates, sem se saber quem poderá em seu lugar fazer o milagre dos peixes e do pão.

Não só Portugal vive uma crise econômica e politica profunda, também outras penínsulas e ilhas, a nova periferia européia, constituída pela Grécia, Espanha, Irlanda e Inglaterra. Em romaria todos vão à nova “dona” da Europa, a formiga que saiu do buraco e criou asas, Sra Merkel, que recebe a todos com um chá de simpatia, mas não abre a carteira, dizendo que seu eleitor não quer dar bombom a quem cantou o verão inteiro e não fez o dever de casa. Como são cruéis estas estórias infantis!

O momento é de crise e reflexão. Nas ruas o povo acusa os governantes, com razão, de incompetentes, perdulários e dependentes do poder econômico. Nenhum desses países tem condição de sair da crise por suas pernas. O caso mais grave é o da Espanha, que se falir acaba com a zona do euro e o sonho de união. Há porém um consenso. Ou a UE encontra uma saída comum ou seus membros cairão, um a um, como uma fileira de dominó. Será que na trilha das cigarrinhas européias, embalados pelo pré-sal, estamos a salvo da crise ocidental?

SSA: A Tarde, 08/04/11


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