Artigos de Jornal
A formiga e as cigarrinhas
Acabo de regressar de Portugal e Galícia por onde rodei 2.500 km. Portugal
tem hoje uma infra-estrutura viária de primeiríssimo mundo. Desde que foi
admitido na União Européia - UE, em 1995, Portugal recebeu generosa e
interessada ajuda da UE devido a sua posição estratégica com excelentes portos
no Atlântico. Os do Mediterrâneo e de Biscaia têm pouca expressão militar. É
isso que explica sua excelente rede rodo-ferroviária. Pude assim visitar
pequenas e grandes cidades, conversando com colegas de profissão e
universitários, com o povo e ouvindo os debates na TV e nas rádios. Espanha
recebeu também muita ajuda, mas as espalhou em um território bem maior. Pude
assim perceber sentimentos que não afloram na mídia.
Com dinheiro fácil destinado a se integrarem à Europa, os governos ibéricos
fizeram a festa, embelezando cidades, a exemplo de Barcelona, Valencia e Lisboa,
realizando grandes eventos, como exposições internacionais, Copas do Mundo e
Jogos Olímpicos, comprando trens balas, fazendo lindas pontes e estações
ferroviárias, como a do Oriente, em Lisboa, e complexos culturais espetaculares,
como a Cidade das Artes e Ciências em Valencia e a Casa da Musica no Porto.
Parte desses créditos foi desviada para a América Latina para a compra de
bancos, empresas de telefonia e distribuição de energia e água e realização de
grandes empreendimentos imobiliários e hoteleiros.
Mas não investiram na modernização de suas indústrias e serviços. A competição
da indústria européia e chinesa fez fechar estaleiros e fabricas de tecidos e
sapatos, em Portugal, sem que seus governantes fizessem nada para impedir. A
pesca já havia sido golpeada com a declaração dos mares territoriais. Em resumo,
Portugal e Espanha, outrora grandes impérios, se desindustrializaram, voltando a
ser simples exportadores de vinho, óleo de oliva, cortiça e pouco mais.
Enquanto isto, Alemanha, França e países nórdicos compraram a preço de ocasião
fabricas no leste europeu e na Inglaterra e se tornaram lideres em muitos
setores, como o da indústria automotiva, geração de energia, telefonia móvel,
papel, etc. Por outro lado, a UE a partir de 2007, com a entrada dos países do
leste europeu, passou a investir nesse novo front que inclui a Turquia, queira a
França ou não, passagem obrigatória para o Oriente. A EU considera que já
consolidou sua fronteira oeste e quer agora fortalecer sua fronteira leste, não
podendo mais socorrer a Península Ibérica em seu canto outonal. O corte de 10%
nos salários dos funcionários portugueses e de empresas estatais, o aumento dos
impostos, o corte de bolsas e programas sociais para conter um déficit
orçamentário de 4,6% em 2010, dói na economia familiar, apesar do custo de vida
já ter sido rebaixado para metade do nosso. Pesa especialmente nos jovens, que
não encontram emprego e pensam em emigrar. A palavra de ordem é austeridade, mas
chega uma hora que a corda parte, como ocorreu com o primeiro ministro José
Sócrates, sem se saber quem poderá em seu lugar fazer o milagre dos peixes e do
pão.
Não só Portugal vive uma crise econômica e politica profunda, também outras
penínsulas e ilhas, a nova periferia européia, constituída pela Grécia, Espanha,
Irlanda e Inglaterra. Em romaria todos vão à nova “dona” da Europa, a formiga
que saiu do buraco e criou asas, Sra Merkel, que recebe a todos com um chá de
simpatia, mas não abre a carteira, dizendo que seu eleitor não quer dar bombom a
quem cantou o verão inteiro e não fez o dever de casa. Como são cruéis estas
estórias infantis!
O momento é de crise e reflexão. Nas ruas o povo acusa os governantes, com
razão, de incompetentes, perdulários e dependentes do poder econômico. Nenhum
desses países tem condição de sair da crise por suas pernas. O caso mais grave é
o da Espanha, que se falir acaba com a zona do euro e o sonho de união. Há porém
um consenso. Ou a UE encontra uma saída comum ou seus membros cairão, um a um,
como uma fileira de dominó. Será que na trilha das cigarrinhas européias,
embalados pelo pré-sal, estamos a salvo da crise ocidental?
SSA: A Tarde, 08/04/11