Artigos de Jornal
De volta aos anos 30
Na década de vinte existiam na em Salvador algumas empresas de bondes, alguns
ainda puxados a burros, outros elétricos e inclusive uma maxambomba (machine
pump) em Itapagipe, movida a vapor. Era o que se podia chamar de um sistema
intermodal para usar um termo em voga. Em 1927, a Cia. Linha Circular dos irmãos
Guinle, que explorava os bondes da cidade alta, é vendida a Cia. Brasileira de
Força Elétrica controlada pela norte americana General Electric. No inicio do
ano seguinte o presidente da GE vem a Salvador negociar com o intendente
municipal a renovação da concessão. Oferece entre outras vantagens a construção
de um novo elevador ligando os dois níveis da cidade. Com isso consegue também a
concessão dos bondes da cidade baixa, ascensores e de quebra a exclusividade na
geração de energia elétrica, distribuição de gás e serviços telefônicos. Com
isso a Cia. Linha Circular passa a ter o monopólio absoluto dos serviços urbanos
de Salvador, com exceção da distribuição de água.
O aumento abusivo das tarifas dos bondes, elevadores e da energia elétrica e os
péssimos serviços prestados provocou, em 1930, uma revolta popular conhecida
como o Quebra-Bonde, quando foram incendiados 84 veículos, quase toda a frota de
bondes, gares e oficinas da empresa. Como não obteve compensações da Prefeitura,
se vingou repondo apenas uma pequena parte dos bondes incendiados. Salvador foi,
durante pelo menos uma década, uma das capitais brasileiras mais deficientes de
transporte público, além dos freqüentes apagões de luz e telefonia que
prevaleceu durante todos os trinta anos de sua concessão. Sua vingança foi mais
além. Comprou, com a cumplicidade de autoridades civis e religiosas, e mandou
demolir a tricentenária Sé Catedral para em seu lugar por um terminal de bondes,
alegando que era a melhor solução técnica. Em 1934, a cidade literalmente parou
durante dez dias devido a uma greve dos funcionários da empresa de transporte,
energia e telefonia, que protestavam pelos baixos salários pagos.
Para defender seus interesses a Circular gastou uma fortuna incalculável com a
mídia da época. Dois anos antes de terminar sua concessão e ter que passar seu
patrimônio sucateado para a contratante, a empresa incentivou uma campanha
nacionalista para encampação da empresa ianque, que foi adquirida, em 1960, pelo
Prefeito Helio Machado para fechar em poucos anos, num dos negócios mais
escandalosos desta cidade.
A implantação hoje de um sistema de transporte público na Paralela é uma obra
estruturante claramente metropolitana, que envolve Salvador, Lauro de Freitas e
proximamente Camaçari e Simões Filho, descongestionando Salvador e desonerando a
produção daqueles pólos que mantêm uma frota subutilizada de ônibus para
transportar seus operários e executivos. Ela não pode ser vista como uma obra
soteropolitana, mesmo por que será financiada pelo governo federal. A solução
mista preconizada pelos governos do estado e municipais envolvidos é a dotada em
todas as grandes cidades do mundo, com metrô nas linhas tronco e BRT ou VLT nas
alimentadoras. Guardada as devidas proporções, a proposta, fora da PMI e do
prazo, da SETPS de construir às suas expensas um BRT na Paralela em troco da sua
exploração por 25 anos lembra a Cia. Linha Circular. Além de solução
tecnicamente ultrapassada, haja vista Curitiba e Bogotá, que estão construindo
metrôs nas linhas troncos, ela tem um viés político e econômico perverso. Caso
viesse a prevalecer a proposta da SETPS, a população de RMS ficaria refém de um
cartel de empresas de ônibus que passaria a ditar o preço das passagens, o tipo
de veículos sem segurança e comodidade a ser usado e rotas labirínticas de
ônibus alimentadores para obter maior rotatividade dos passageiros, com enorme
prejuízo para os usuários. Não somos contra a empresa privada, mas ao monopólio
da mobilidade em Salvador por 25 anos negando um direito constitucional do
cidadão. É o caso de se perguntar se não caberia, em ultimo caso, a intervenção
do CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica para restabelecer a
concorrência?
SSA: A Tarde,18/08/11