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Happy end na Paralela

  • 26 de Junho de 2011

Mais que analisar a solução apontada para a ligação Acesso Norte/Lauro de Freitas, quero aqui analisar o processo. A primeira lição do episódio é que Salvador já não é a mesma de 2007, quando a Camara de Vereadores aprovou na calada da noite o PDDU vigente. Apesar de não ter havido audiências publicas, foi intensa a mobilização da sociedade em torno da escolha do sistema de transporte na RMS, através de jornais, blogs, rádios e reuniões promovidas por instituições como o CREA-Ba ou convocadas por vereadores e deputados estaduais. Esta ação cidadã foi decisiva na definição do modal de mobilidade.

Aquilo que parecia impossível, vencer o poderoso consórcio do BRT, acabou acontecendo. Recorde-se que o projeto do SETPS, iniciado em 2003, foi um dos vinte oferecidos por investidores privados e encampados pela Prefeitura no pacote Salvador Capital Mundial. O SETPS e a construtora consorciada realizaram o levantamento topográfico da rota e financiaram os estudos preliminares da TTC- Engenharia de Trafego e Transportes na certeza de ganhar a concessão e impor o BRT como paradigma para a RMS. Para isso publicaram revistas, trouxeram jornalistas, promoveram viagens e investiram em um lobby milionário.

Não se pode ignorar o papel que tiveram movimentos populares como “Salvador sobre Trilhos”, “Eu quero VLT em Salvador”, ”A Cidade Também é Nossa” e “Associação de Ferroviários”. Esta foi uma grande vitória desses movimentos, já que a elite manteve o tradicional silencio obsequioso, mas haverá de gritar quando não puder mais sair da garagem. O povo não está interessado em eventuais jogos que não poderá assistir. Ele quer é passar menos tempo dentro de um ônibus com chassi de caminhão superlotado com curral e torniquete kafkiano. Sua paciência já se esgotou e os protestos, bloqueios de avenidas e estações ameaçam repetir o “quebra bonde” de 1930.

Mas não se pode deixar de reconhecer o papel desempenhado por Zezeu Ribeiro. Político hábil, ele tem sabido utilizar estes movimentos para contrabalançar a pressão de poderosos lobbies, como já havia demonstrado ao mudar a localização do Porto Sul, que ameaçava destruir uma das mais sensíveis APAs do estado. No caso presente, além da fazer ecoar as manifestações contra o péssimo sistema de “buzus” explorou as contradições do capitalismo, ao abrir o PMI a outros grupos e exibir suas propostas no site da SEPLAN. Isto destruiria o mito do BTR como única solução possível.

Zezeu pegou o bonde andando e tenta dar tecnicidade a uma secretaria desaparelhada. Mas uma andorinha só não faz verão. É preciso se criar um processo institucional de gestão planejada e participativa. O atropelo dessa escolha demonstra que não havia no governo nenhum pensamento sobre a RMS e transporte de massa. Não se sabe como descongestionar a capital, nem como infra-estruturar a RMS. Precisamos restaurar a função do planejamento, reduzido pelos políticos a um instrumento, à posteriori, de legitimar decisões autoritárias. Este não é o caso em pauta. De que vale fazer audiências públicas e atualizar pesquisa de origem e destino a esta altura?

A decisão adotada foi acertada, distinguindo vias “troncais”, de transporte de massa sobre trilhos, e vias transversais capilares operadas por BRT e ônibus comuns. No meu entender, o monotrilho está descartado. Seu impacto visual e difícil acessibilidade a uma plataforma de 35 metros de altura o desqualifica. O metrô de superfície com pequenos mergulhos nos cruzamentos é perfeitamente viável no prazo estabelecido e atende à exigência da Presidenta de conclusão do metrô. Ele elimina desapropriações e os 27 viadutos da consorciada do BRT. Os carros do metrô já estão aqui, A grande questão é quem administrará este sistema misto, mas para isto temos tempo.

Em resumo, o episódio da escolha do modal da ligação Acesso Norte/Lauro de Freitas mostrou a força dos movimentos populares e que o planejamento da RMS e da Bahia não pode ficar a mercê da eventual titularidade da SEPLAN por um técnico competente e integro. Deve ser uma politica de estado com quadros idôneos dispostos a ouvir a comunidade, que deveria ser o principal objetivo da politica.

SSA: A Tarde, 26/06/11


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