Artigos de Jornal
Happy end na Paralela
Mais que analisar a solução apontada para a ligação Acesso Norte/Lauro de
Freitas, quero aqui analisar o processo. A primeira lição do episódio é que
Salvador já não é a mesma de 2007, quando a Camara de Vereadores aprovou na
calada da noite o PDDU vigente. Apesar de não ter havido audiências publicas,
foi intensa a mobilização da sociedade em torno da escolha do sistema de
transporte na RMS, através de jornais, blogs, rádios e reuniões promovidas por
instituições como o CREA-Ba ou convocadas por vereadores e deputados estaduais.
Esta ação cidadã foi decisiva na definição do modal de mobilidade.
Aquilo que parecia impossível, vencer o poderoso consórcio do BRT, acabou
acontecendo. Recorde-se que o projeto do SETPS, iniciado em 2003, foi um dos
vinte oferecidos por investidores privados e encampados pela Prefeitura no
pacote Salvador Capital Mundial. O SETPS e a construtora consorciada realizaram
o levantamento topográfico da rota e financiaram os estudos preliminares da TTC-
Engenharia de Trafego e Transportes na certeza de ganhar a concessão e impor o
BRT como paradigma para a RMS. Para isso publicaram revistas, trouxeram
jornalistas, promoveram viagens e investiram em um lobby milionário.
Não se pode ignorar o papel que tiveram movimentos populares como “Salvador
sobre Trilhos”, “Eu quero VLT em Salvador”, ”A Cidade Também é Nossa” e
“Associação de Ferroviários”. Esta foi uma grande vitória desses movimentos, já
que a elite manteve o tradicional silencio obsequioso, mas haverá de gritar
quando não puder mais sair da garagem. O povo não está interessado em eventuais
jogos que não poderá assistir. Ele quer é passar menos tempo dentro de um ônibus
com chassi de caminhão superlotado com curral e torniquete kafkiano. Sua
paciência já se esgotou e os protestos, bloqueios de avenidas e estações ameaçam
repetir o “quebra bonde” de 1930.
Mas não se pode deixar de reconhecer o papel desempenhado por Zezeu Ribeiro.
Político hábil, ele tem sabido utilizar estes movimentos para contrabalançar a
pressão de poderosos lobbies, como já havia demonstrado ao mudar a localização
do Porto Sul, que ameaçava destruir uma das mais sensíveis APAs do estado. No
caso presente, além da fazer ecoar as manifestações contra o péssimo sistema de
“buzus” explorou as contradições do capitalismo, ao abrir o PMI a outros grupos
e exibir suas propostas no site da SEPLAN. Isto destruiria o mito do BTR como
única solução possível.
Zezeu pegou o bonde andando e tenta dar tecnicidade a uma secretaria
desaparelhada. Mas uma andorinha só não faz verão. É preciso se criar um
processo institucional de gestão planejada e participativa. O atropelo dessa
escolha demonstra que não havia no governo nenhum pensamento sobre a RMS e
transporte de massa. Não se sabe como descongestionar a capital, nem como
infra-estruturar a RMS. Precisamos restaurar a função do planejamento, reduzido
pelos políticos a um instrumento, à posteriori, de legitimar decisões
autoritárias. Este não é o caso em pauta. De que vale fazer audiências públicas
e atualizar pesquisa de origem e destino a esta altura?
A decisão adotada foi acertada, distinguindo vias “troncais”, de transporte de
massa sobre trilhos, e vias transversais capilares operadas por BRT e ônibus
comuns. No meu entender, o monotrilho está descartado. Seu impacto visual e
difícil acessibilidade a uma plataforma de 35 metros de altura o desqualifica. O
metrô de superfície com pequenos mergulhos nos cruzamentos é perfeitamente
viável no prazo estabelecido e atende à exigência da Presidenta de conclusão do
metrô. Ele elimina desapropriações e os 27 viadutos da consorciada do BRT. Os
carros do metrô já estão aqui, A grande questão é quem administrará este sistema
misto, mas para isto temos tempo.
Em resumo, o episódio da escolha do modal da ligação Acesso Norte/Lauro de
Freitas mostrou a força dos movimentos populares e que o planejamento da RMS e
da Bahia não pode ficar a mercê da eventual titularidade da SEPLAN por um
técnico competente e integro. Deve ser uma politica de estado com quadros
idôneos dispostos a ouvir a comunidade, que deveria ser o principal objetivo da
politica.
SSA: A Tarde, 26/06/11