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BRT, VLT, metrô e a Copa

  • 09 de Junho de 2011

Todos sabem que nenhum turista irá direto para a Fonte Nova depois de 10 horas de vôo. A ligação Acesso Norte/Lauro de Freitas não servirá à Copa e sua evocação é apenas um artifício para obter dinheiro para obras que se supõem mais úteis que a multimilionária arena. Ela em nada facilitará o trânsito de táxis entre o aeroporto, os hotéis de Ondina e a Fonte Nova, rota de engarrafamentos e alagamentos. A questão, portanto, não é a Copa, mas Salvador e a Região Metropolitana de Salvador (RMS).

Dentro dessa ótica, o sistema buscado não pode ser pensado só como resposta à demanda atual senão como um instrumento de reestruturação da RMS. Para definir o modal da ligação Acesso Norte/Lauro de Freitas, seria necessário conhecer as prioridades do desenvolvimento da RMS. Como o estado e a prefeitura não têm essa resposta, a escolha será inevitavelmente improvisada. Mas algumas considerações de bom senso podem ser úteis.

Diante do fiasco da primeira etapa do minimetrô de Salvador, qualquer sistema que se implante na Paralela irá definir a mobilidade ou engarrafamento de toda a RMS para os nossos netos. Hoje, 81% da população da RMS consome literalmente Salvador e enriquece outros municípios. Nisso reside o principal problema de Salvador: sua pobreza, déficit fiscal, travamento, destruição do verde e preço inflacionado do solo, resultado da falta completa de planejamento. Todos os equipamentos de educação, saúde, abastecimento, cultura e lazer estão concentrados na capital. Para mudar esse quadro, é necessário reestruturar o território, a começar com uma rede inteligente de transporte de massa.

A partir da década de 1960, Salvador tem duplicado de população a cada duas décadas. Ao manter-se esse ritmo, dentro de 20 anos ela terá cerca de 5 milhões de habitantes e não poderá dispensar uma rede coletora de metrô. Ideal seria, primeiro, estender a linha 1 até Aguas Claras, mas isso é, no momento, inviável, por ela não ter o apelo da Copa. A “bola da vez” é implantar algum sistema de transporte mais eficiente que o sucateado sistema de “buzus” entre o acesso Norte e Lauro de Freitas.

Transitam por aquela via, hoje, cerca de 1.500 ônibus e 250 mil automóveis. Como sempre, não existem projetos. Para o poderoso lobby da Sindicato das Empresas de Transporte Público de Salvador (SETPS), esse volume de tráfego não justifica um metrô. Mas o Bus Rapid Transit (BRT) proposto estaria em pouco tempo saturado. Sua implantação provocaria enormes impactos ambientais, como a queima de mais diesel, o asfaltamento de uma faixa de 14 metros do canteiro central da Paralela, destruindo a vegetação e impermeabilizando o solo, além de sua incompatibilidade com o metrô.

Embora o sistema possa ter um rendimento razoável na Paralela, com ônibus de circulação expressa e local, a velocidade final será ditada pelo gargalo da Bonocô, onde os ônibus circularão em fila indiana. Por outro lado, a transformação do BRT em metrô é praticamente impossível, pois implicaria em paralisação do sistema durante três anos para colocação de trilhos, provocando um caos urbano. Há também uma questão cultural: o preconceito compreensível da classe média contra esse tipo de transporte e consequente aumento da frota de automóveis.

A implantação imediata da linha 2 do metrô não é tão onerosa e demorada como se apregoa, pois não implicará em grandes obras de arte e desapropriações, e os trens já estão ai enferrujando. Não faz nenhum sentido operar uma linha de metrô de 6 km. Estendida até Lauro de Freitas, ela teria uma extensão de 26 km e sustentabilidade. Com os recursos já prometidos para a sua conclusão, se tocaria a linha 1 até Aguas Claras, o que não ocorrerá tecnicamente em menos de três anos. O custo da linha 2 não seria muito maior que o das quatro faixas do BRT. Sintomaticamente, no procedimento de manifestação de interesse aberto pelo estado/prefeitura, sem audiência da comunidade, cinco das sete propostas apresentadas são de Veículos sobre Trilho (VLT) e apenas duas de BRT.

O VLT, de custo intermediário, também teria vida curta, mas tem o mérito de não poluir, nem impermeabilizar o solo e poder ser convertido facilmente no futuro em metrô, desde que sua linha férrea já seja feita para suportar os carros do metrô. Que venham os trilhos e ciclovias.

SSA: A Tarde, 9 de junho de 2011


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