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BRT, VLT, metrô e a Copa
Todos sabem que nenhum turista irá direto para a Fonte Nova depois de 10
horas de vôo. A ligação Acesso Norte/Lauro de Freitas não servirá à Copa e sua
evocação é apenas um artifício para obter dinheiro para obras que se supõem mais
úteis que a multimilionária arena. Ela em nada facilitará o trânsito de táxis
entre o aeroporto, os hotéis de Ondina e a Fonte Nova, rota de engarrafamentos e
alagamentos. A questão, portanto, não é a Copa, mas Salvador e a Região
Metropolitana de Salvador (RMS).
Dentro dessa ótica, o sistema buscado não pode ser pensado só como resposta à
demanda atual senão como um instrumento de reestruturação da RMS. Para definir o
modal da ligação Acesso Norte/Lauro de Freitas, seria necessário conhecer as
prioridades do desenvolvimento da RMS. Como o estado e a prefeitura não têm essa
resposta, a escolha será inevitavelmente improvisada. Mas algumas considerações
de bom senso podem ser úteis.
Diante do fiasco da primeira etapa do minimetrô de Salvador, qualquer sistema
que se implante na Paralela irá definir a mobilidade ou engarrafamento de toda a
RMS para os nossos netos. Hoje, 81% da população da RMS consome literalmente
Salvador e enriquece outros municípios. Nisso reside o principal problema de
Salvador: sua pobreza, déficit fiscal, travamento, destruição do verde e preço
inflacionado do solo, resultado da falta completa de planejamento. Todos os
equipamentos de educação, saúde, abastecimento, cultura e lazer estão
concentrados na capital. Para mudar esse quadro, é necessário reestruturar o
território, a começar com uma rede inteligente de transporte de massa.
A partir da década de 1960, Salvador tem duplicado de população a cada duas
décadas. Ao manter-se esse ritmo, dentro de 20 anos ela terá cerca de 5 milhões
de habitantes e não poderá dispensar uma rede coletora de metrô. Ideal seria,
primeiro, estender a linha 1 até Aguas Claras, mas isso é, no momento, inviável,
por ela não ter o apelo da Copa. A “bola da vez” é implantar algum sistema de
transporte mais eficiente que o sucateado sistema de “buzus” entre o acesso
Norte e Lauro de Freitas.
Transitam por aquela via, hoje, cerca de 1.500 ônibus e 250 mil automóveis. Como
sempre, não existem projetos. Para o poderoso lobby da Sindicato das Empresas de
Transporte Público de Salvador (SETPS), esse volume de tráfego não justifica um
metrô. Mas o Bus Rapid Transit (BRT) proposto estaria em pouco tempo saturado.
Sua implantação provocaria enormes impactos ambientais, como a queima de mais
diesel, o asfaltamento de uma faixa de 14 metros do canteiro central da
Paralela, destruindo a vegetação e impermeabilizando o solo, além de sua
incompatibilidade com o metrô.
Embora o sistema possa ter um rendimento razoável na Paralela, com ônibus de
circulação expressa e local, a velocidade final será ditada pelo gargalo da
Bonocô, onde os ônibus circularão em fila indiana. Por outro lado, a
transformação do BRT em metrô é praticamente impossível, pois implicaria em
paralisação do sistema durante três anos para colocação de trilhos, provocando
um caos urbano. Há também uma questão cultural: o preconceito compreensível da
classe média contra esse tipo de transporte e consequente aumento da frota de
automóveis.
A implantação imediata da linha 2 do metrô não é tão onerosa e demorada como se
apregoa, pois não implicará em grandes obras de arte e desapropriações, e os
trens já estão ai enferrujando. Não faz nenhum sentido operar uma linha de metrô
de 6 km. Estendida até Lauro de Freitas, ela teria uma extensão de 26 km e
sustentabilidade. Com os recursos já prometidos para a sua conclusão, se tocaria
a linha 1 até Aguas Claras, o que não ocorrerá tecnicamente em menos de três
anos. O custo da linha 2 não seria muito maior que o das quatro faixas do BRT.
Sintomaticamente, no procedimento de manifestação de interesse aberto pelo
estado/prefeitura, sem audiência da comunidade, cinco das sete propostas
apresentadas são de Veículos sobre Trilho (VLT) e apenas duas de BRT.
O VLT, de custo intermediário, também teria vida curta, mas tem o mérito de não
poluir, nem impermeabilizar o solo e poder ser convertido facilmente no futuro
em metrô, desde que sua linha férrea já seja feita para suportar os carros do
metrô. Que venham os trilhos e ciclovias.
SSA: A Tarde, 9 de junho de 2011