Artigos de Jornal
Complexo de pequenez
Participei no último dia 5 do Seminário Mobilidade em Debate: fluxos,
deslocamentos e alternativas para o sistema de transporte público na R.M.S.,
promovido pela Deputada Maria del Carmem. Fiquei surpreso com a participação
popular e a ausência das elites. Para resumir, a sociedade pode perder o trem da
mobilidade, porque um grupo de empresários já definiu a solução a seu favor. Não
temos planejamento público, senão “anti projetos” privados, todos imediatistas e
ultrapassados, baseados no diesel, no pneu e minhocões.
Juca Kfouri em artigos de 4/2/07 e 11/06/09 na Folha de São Paulo afirma que só
a partir da Copa do Japão/Coréia do Sul, em 2002, a Fifa passou a exigir a
construção de arenas, em grande parte porque esses países e a África do Sul não
possuíam estádios em condições. A Alemanha aproveitou 2006 para demonstrar e
vender sua alta tecnologia em coberturas de estádios. A partir desse momento, a
Fifa passa a capitanear um complexo industrial-esportivo com a Hyundai-Kia,
produtora de trens velozes, metrôs e quarta fabricante mundial de carros, Sony,
Continental, Adidas, Coca Cola, Budweiser e Mac Donald.
Se as nossas cidades são carentes de infraestrutura, não se pode dizer o mesmo
do futebol. Somos uma potência mundial, com um rei, o único pentacampeonato e a
maior rede de estádios do mundo. Com pequenas obras, nossos estádios poderiam
agasalhar a Copa de 2014, sendo destinado o grosso dos investimentos para e
tempo à melhoria da infraestrutura de nossas cidades. O que estamos assistindo
na TV é o contrário, a implosão de estádios novos para a construção de arenas
bilionárias, elitistas e excludentes, com camarotes, restaurantes e salões VIPs.
Algumas serão elefantes brancos em cidades cujas torcidas não passam de 3000
pessoas. Isto quando se está, em todo o mundo, reciclando antigas fábricas para
novas funções.
Fiquei também surpreso com alguns expositores que saudaram a Fifa como
benemérita por exigir transporte de massa para nossas cidades. Não sejamos
ingênuos. A Fifa não está interessada na qualidade de vida, nem a segurança de
seus torcedores, senão no sucesso do evento. Prova disto é o fato de não exigir
nada que se refira à questão sanitária e à segurança publica. Nossas urbes são
cortadas por rios contaminados, focos de dengue e leptospirose, rios que as
paralisam quando chove. Temos ainda seqüestradores, assaltantes de ônibus e
torcidas armadas. Muito pouco foi pedido a este respeito e está sendo feito.
Não se conhece, por outro lado, ação da Fifa em favor do esporte amador, da
educação esportiva, da repressão à violência nos estádios, à corrupção e à
lavagem de dinheiro pela máfia russa. Ela está interessada, sim, nos direitos de
transmissão da TV, nos negócios associados e patrocínios bilionários. Como
conseqüência, incentiva a venda de equipamentos de alta tecnologia, como TVGs,
metrôs, centrais de comunicações, equipamentos para aeroportos e arenas.
No momento que as instituições internacionais, como a ONU, FMI e BIRD, têm cada
vez menos força, é estranha a subserviência de nossas autoridades à entidade
mais mercantilista do sistema. A isto se soma a falta total de planejamento e
controle. Coincidentemente a Fifa é uma associação helvético-brasileira. Sim,
porque Havelange reinou nela durante 24 anos e sua família ainda controla grande
parte dos negócios da Fifa e de sua afiliada CBF. O atual presidente da Fifa,
Blatter, seu sucessor, é sua cria. Foi designado por ele diretor técnico em
1975, promovido a secretário geral em 1961, indicado presidente em 1998.
Metade das arenas brasileiras foi projetada por escritórios alemães e cerca de
oito tem coberturas da mesma origem e deverão ser geridas por consórcios
binacionais. Como contrapartida, as obras das arenas foram dadas para as quatro
irmãs nacionais. Oito dessas obras têm problemas no TCU e três são
insustentáveis. Chega-se ao ridículo de aceitar a destruição das arquibancadas
do maior estádio do mundo, monumento nacional, e retirada de sua marquise,
recorde da engenharia nacional, para colocar em seu lugar uma tela, que só irá
produzir mormaço. Onde está o Iphan e o orgulho nacional?"
SSA: A Tarde, 29/05/2011.