Artigos de Jornal
Tributo a Francisco
A ficha custou de cair. Só com seu debut internacional comecei a compreender
a eleição de um desconhecido para tão alto posto. Há uma piada maldosa que
mostra o estilo de dois santos católicos. Um paraquedista ao saltar percebe que
o paraquedas não se abre e grita: valei-me meu São Francisco! Uma imensa mão sai
de uma nuvem o segura e pergunta: de Assis ou Xavier? Confuso, ele diz: de
Assis. A mão se abre e ele cai. A poucos metros do chão o paraquedas se abre
milagrosamente e ele aterrissa suave à margem de um lindo lago azul.
Não me convencia a imagem da mídia de um Papa humilde e carola. Mesmo porque
Francisco de Assis foi um jovem boêmio e rebelde que rompeu com a família
burguesa para viver em uma comunidade meio-hippie junto à natureza e aos
excluídos. Seu nome cresceu nos debates prévios ao conclave. Uns amigos
italianos me contaram que a Cúria estava cansada dos estrangeiros e de suas 151
viagens, 1340 beatificações e 483 canonizações, mais que o somatório dos cinco
séculos anteriores, enquanto a casa era abandonada. Queriam de volta um
italiano. O novo Papa é de uma cepa italiana e espanhola e consegue juntar dois
vinhos finos em um só: o suave e o seco.
Vejo-o como um cidadão do mundo, atualizadíssimo, que preferiu um nome simples,
ao de Leão, Pio ou Bento (Benedictus), mas não o “povereto” da mídia. Um homem
de fala mansa e bem humorada que conquista a todos com sua sinceridade e seu
carisma discreto, mas convincente. Um Papa que prefere ser chamado de o Bispo de
Roma, que já não é capital de um império, e conviver com seus companheiros de
todo o mundo ao invés da solidão do trono e das galerias de estatuas silentes.
Mas que tem consciência plena de seu papel como líder mundial, mais que de um
guru de uma congregação particular.
Com a renuncia de Ratzinger se fecha o ciclo de ferro criado pela Sra. Tatcher,
Reagan e Wojtyla. O cardeal Jorge Mario Bergoglio nunca deu ouvido a eles e
continuou a mandar seus padres para as favelas e se reunir semanalmente com os
ministros de outras religiões em Buenos Aires. Não obstante sua maneira afetuosa
de beijar uma desafeta e abraçar os ministros de outras religiões, já mostrou
que veio para arrumar a casa e mudar a Igreja, ao afirmar que é obrigação do
cristão participar da política e combater a corrupção e a exclusão social
(http://youtu.be/yf18qQwTdeY). Que os jovens devem ir às ruas e protestar porque
a Igreja não é uma ONG assistencialista.
Para contrabalançar a canonização do conservador João Paulo II ele forçou, ao
arrepio da Cúria, a canonização de João XXIII, o responsável pelo aggiornamento
da Igreja no século XX. Esta é uma mudança radical na politica da Igreja nos
últimos 34 anos. A condenação da Teologia da Libertação provocou a perda de
milhões de fieis e de excelentes quadros, como Leonardo Boff e Frei Beto, e
facilitou o avanço dos vendilhões de graças e milagres nas periferias.
Ele disse para o Brasil e para o mundo que não trouxe ouro nem prata. Condenou a
acumulação capitalista, a droga, a corrupção e o preconceito, defendeu o estado
laico, a diversidade religiosa e o dialogo e conclamou a juventude a lutar por
um mundo mais justo e fraterno sem perder a esperança que isto é possível.
Celibato, ordenação de mulheres, e planejamento familiar consciente dependerão
de um novo concilio e ele não pensa nisto, senão na retomada de bandeiras
esquecidas do Vaticano II, como a opção pelos pobres, o ecumenismo, a
mobilização de leigos e jovens, e um maior controle interno da Igreja: da
burocracia, da pedofilia, da lavagem de dinheiro e do jogar o lixo debaixo do
tapete.
O que fez cair minha ficha foi a imagem do Papa subindo apressado a escada do
avião para não perder o voo, resguardando a pesada pasta dos seguranças. No Rio
ele enfrentou de janelas abertas engarrafamentos, protestos de ruas, “as
vadias”, a falta de energia municipal, o lamaçal imobiliário de Guaratiba, chuva
e frio. Deu seu recado e se despediu sorridente como chegou, à margem da baia
azul da Guanabara e à sombra do Cristo Redentor. Habemus Papam!
SSA: A Tarde, 04/08/13.