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O baile dos gambás

  • 24 de Novembro de 2013

Para não cansar os leitores, vou escrever hoje sobre literatura. As fabulas são estórias populares de grande sabedoria recolhidas por alguns escritores. Geralmente elas envolvem animais metafóricos, trazem mensagem morais e têm senso de humor. O grego Esopo foi o primeiro a se preocupar em recolher estas estórias orais no século IV aC. Autores de diferentes épocas recolheram contos populares ou recriaram os de Esopo em outros cenários. Podemos citar entre os seus seguidores o romano Fedro, no inicio da era cristã, e La Fontaine, no século XVII, que recolheu 124 fabulas para oferecer ao filho de Luiz XIV. No Brasil podemos citar Monteiro Lobato e Guimarães Rosa, não menos importantes que gregos e romanos.

Minhas fabulas preferidas de Esopo são “A formiga e a cigarra” e “A raposa e as uvas“, aquela em que o astuto animal depois de saltar várias vezes e não conseguir alcançar belas uvas douradas murmura com desdém: estão verdes! O repertorio da fabulas foi praticamente esgotado por aqueles autores, mas recentemente li uma interessante que não conhecia.

Na periferia de uma grande cidade morava em uma chácara um casal de aposentados. Um dia se instalou na garagem da casa um gambá, que comia a ração do cão, atacava as galinhas e fedia. A dona de casa estava muito incomodada com o invasor, mas logo a noticia se difundiu na vizinhança e todos queriam conhecer o marsupial. A vida do casal mudou com as contínuas visitas de grupos escolares e de representantes do Grupo Gambá, e de suas dissidências: Gambá do B e Gambás Anônimos. Até a bancada de vereadores da reparação dos animais foi visitar o gambá. Os preservacionistas advertiram o casal dos rigores da lei que penalizava aqueles que maltratem ou matem animais em extinção, mais severa que o Estatuto da Criança e do Adolescente, já que estes não estão em extinção.

A vida do casal virou um inferno e eles não sabiam o que fazer. Desesperado o marido procurou um dos fundadores do Grupo Gambá, meu amigo Renato Cunha, que tranquilizou o pobre homem dizendo: V. pode se livrar dele sem o matar. Basta colocar um rastilho de ração de cachorro no caminho por aonde ele veio até chegar uma mata, onde ele se reintegrará a seu ambiente natural. No dia seguinte, o homem se muniu de uma grande mochila com ração de cachorro e saiu dando voltas pelos canteiros da redondeza até chegar a um curso d’água além do qual havia uma matinha.

Quebrou uns galhos, improvisou uma ponte e esvaziou a mochila na matinha. Voltou eufórico por um atalho para anunciar a solução genial que havia adotado por conselho do amigo. A esposa o ouviu paciente com um sorriso de ironia nos lábios e no final lhe disse: os gambás lhe deram um baile, vá à garagem e veja que agora são quatro e não há mais galinhas.

Moral da estória: a via que leva é a mesma que trás, mas quadriplicada. Quanto mais viadutos inúteis se fizerem numa cidade, maiores serão os engarrafamentos. Enquanto o Rio de Janeiro demole o minhocão das docas, sob o qual havia uma craquelandia, para criar o Porto Maravilha e reestabelecer a visão da baia da Guanabara, Salvador se gaba de criar uma Via Expressa com dez faixas, 14 viadutos (sem nenhum passeio) e três tuneis para ligar um porto seco a um porto molhado e os Dois Leões à Pernambués. No futuro, dizem, esta via deverá dar acesso à Linha Viva, onde não entrarão coletivos, só carros. Alguém, além das empreiteiras, notou qualquer melhoria do trafego na cidade com essas obras de R$ 420,00 milhões? Os engarrafamentos continuam na rótula do Abacaxi e piorou no Barbalho e Soledade.

Esta fabula encenada por este escriba em Salvador não é dele, quem conta é Jan Gehl, o dinamarquês que mais entende de trafego urbano no mundo. Para outro expoente da gestão urbana e mobilidade, Enrique Peñalosa, que nos visitou recentemente, mas não encontrou seguidores, cidade desenvolvida não é aquela que a classe C se arrasta em carangos, senão aquela que a classe A e as demais fluem em transporte coletivo de qualidade. O rodoviarismo, que grassa no país desde meados do século passado, é enfermidade que cega, altamente contagiosa e endêmica na Bahia. Haja concreto!

SSA: A Tarde de 24/11/13


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