Artigos de Jornal


No Ceará não tem disso não!

  • 17 de Agosto de 2014

Faço parte de um grupo que se encontra semanalmente na Academia do Fragoso. Enquanto nos divertimos com a prosa e exercícios leves, Florisvaldo Mattos exibe na esteira uma musculatura poética invejável. No final de uma dessas sessões, lembrando meu convite para ir ao Ceará (A Tarde 25/05/14) ele me sugeriu o mote acima como que dizendo que para cantar o Ceará era melhor a musica de Gonzagão, sertanejo, que a de Caymmi, praieiro.

Recordei a primeira estrofe da música: “Tenho visto tanta coisa/ Nesse mundo de meu Deus/ Coisas que prum cearense/ Não existe explicação./ Qualquer pinguinho de chuva/ Fazer uma inundação./ Não se pode comprar nada/ Sem topar com tubarão”. Já havia escrito sobre os alagamentos das avenidas de vale com um pingo de chuva e provocar tubarões é perigoso.

Pensei nas ligações da Bahia com o Ceará, seu povoamento com os currais de Garcia D’Ávila através do Piauí: “O meu boi morreu/ O que será de mim/ Manda buscar outro, oh maninha/ Lá no Piauí”. Ao invés de boi veio um interventor do Ceará. O beliscar de um beiju de paçoca precipitou uma cascata de memórias políticas dos dois estados.

No Ceará as oligarquias políticas não duram mais que vinte anos e isto explica o dinamismo do estado. Foi assim com os Accioli, os Távora, o Cel. Cesar Cals, os Bezerra, os Jerissati e os Gomes. Na Bahia os quadros políticos não se renovam. Inimigos se reconciliam, mas não largam o osso. Tanto os descendentes de Juracy quanto de seu desafiante, Cel. Horacio de Matos, de morte misteriosa, convivem numa boa na política baiana há 83 anos. Também um descendente de Nestor Duarte, secretário de estado de Otávio Mangabeira (1947-51) opositor da ditadura, participa do mesmo esquema. Outro aliado de Mangabeira, Lomanto Junior, conseguiu governar a Bahia no bravio período de 1963 a 1967 virando a casaca. Seus descendentes continuam na arena.

Algumas linhagens têm origem ainda mais remota, como a fundada pelo Governador Luis Viana (1896-1900). Seu filho homônimo, um intelectual de valor, voltou ao governo 67 anos depois e elegeu o afilhado Roberto Santos e o filho vice-governador e senador. Outros não esperam os filhos crescerem, repetem seus mandatos, como J.J Seabra (1912-16, 1920-24), Juracy Magalhães (1931-37, 1959-63), Antonio Carlos Magalhães (1971-75, 1979-83, 1991-94), Paulo Souto (1995-99, 2003-07) e Wagner, por reeleição.

Ocasionalmente a oligarquia designa um suplente, em função de uma circunstancia, mas este é logo descartado e não consegue fazer sucessor. Regis Pacheco substituiu Lauro de Freitas que morreu em desastre de avião na campanha, o mesmo acontecendo com João Durval Carneiro com morte semelhante de Clériston Andrade. Mudanças na política nacional podem permitir o surgimento de emergentes de transição, como Waldir Pires e Nilo Coelho (1987-91), devido à redemocratização, e Jaques Wagner (2007-14) com a vitória do PT.

Antonio Carlos, um emergente de 1964, é uma exceção, pois reinou por 40 anos. Nesse período, Paulo Souto, devido à morte de Luis Eduardo, foi o único suplente que não foi descartado. Depois de um hiato de quinze anos a ciranda volta a rodar. “Vocês vão me adesculpar/ Mas arrepito essa expressão/ No Ceará não tem disso não/ Tem disso não!”.

A Tarde: SSA, 17/08/14.


Últimos Artigos