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Dois acertos e um equívoco urbano

  • 31 de Agosto de 2014

Dois fatos ocorridos nas ultimas semanas não passaram desapercebidos a este colunista, que se propõe discutir criticamente as ações sobre a cidade. O primeiro é a requalificação do Farol da Barra. O prefeito tem enfatizado em discursos a “peatonização” da cidade e a restauração da autoestima soteropolitana. São ações positivas no confronto com o “rodoviarismo” dos anos 50 ainda vigente no Estado, como no desmesurado minhocão do Imbuí, vedado a bicicletas e pedestres. No Rio e em São Paulo eles estão sendo desativados.

O problema é a implementação. Cegos sabem andar em passeios sem guias. O piso táctil em todo o mundo é colocado apenas em desníveis, barreiras e cruzamentos. Universalizado deixa de ser uma linguagem e passa a ser ruído. Melhor seria eliminar as rampas de carros, colocar sinaleiras sonoras, restaurar os passeios e fazer bases nos orelhões. A bike Itau é também simpática, mas até agora tem sido tratada como lazer e não como modal, Um terço da população de Salvador não pode pagar transporte. As avenidas de vale são planas e a Conder tem uma ciclovia engavetada há anos. Redes de ciclovias são faixas exclusivas integradas a bicicletários nos terminais de transporte.

Não critico a prioridade no Farol. Aquela é a ponta do padrão e boca da baia, que um tecnocrata queria amordaçar. O Farol já foi um ícone popular: do footing, da sorveteria do Oceania, do clube Palmeiras e do Chame-Chame da minha juventude, e continua sendo ponto obrigatório das linhas populares de ônibus. Aguardo a promessa do prefeito de fazer o mesmo na Ribeira, Paripe e Tubarão.

O equivoco está na redução em 60 % a outorga onerosa das novas torres (A Tarde, 23/8/14) e como compensação o aumento do IPTU. Equivoco porque a verticalização exige a ampliação da infraestrutura urbana que recai sobre a prefeitura, mas gera também mais-valia que é apropriada só pelas imobiliárias. Os maiores bancos e empreiteira do país nasceram da acumulação da mais-valia urbana, enquanto a infraestrutura das nossas cidades se degradava. Onde existe uma casa surge uma torre de 40 andares e sete vagas por apartamento que irão travar a via. Estas vagas e enormes varandas gourmet são isentas de tudo.

A verticalização provoca três impactos: na identidade urbana, na congestão do trafego e no meio ambiente. Imagine ir a Paris ou Roma e não poder ver a torre Eiffel e o Coliseu, como nós deixamos de ver o mar e as torres das igrejas. Isto se traduz em perda de turismo e dinheiro. As nossas ruas não alargam um centímetro, enquanto a densidade populacional e a frota de carros crescem exponencialmente roubando horas de trabalho e descanso.

A barreira de edifícios, cujas garagens ocupam todo o lote, além do sombreamento, impermeabilizam o solo, geram inundações e provocam ilhas de calor. Estudos da UFSE em Aracaju mostram que na terceira quadra da orla, que é ocupada só por edifícios de cinco andares á temperatura chega a 5 º C mais que na orla. A altura máxima dos edifícios deve ser determinada pela capacidade da via e o que passar do coeficiente de aproveitamento um deve ser cobrado como outorga onerosa. A medida só irá favorecer os especuladores de transcons. A crise do setor imobiliário é de superoferta e mais estimulo só piora a situação.

SSA: A Tarde, 31/8/14


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