Artigos de Jornal
Dois acentos e um equívoco urbano
Dois fatos ocorridos nas ultimas semanas não passaram desapercebidos a este
colunista, que se propõe discutir criticamente as ações sobre a cidade. O
primeiro é a requalificação do Farol da Barra. O prefeito tem enfatizado em
discursos a “peatonização” da cidade e a restauração da autoestima
soteropolitana. São ações positivas no confronto com o “rodoviarismo” dos anos
50 ainda vigente no Estado, como no desmesurado minhocão do Imbuí, vedado a
bicicletas e pedestres. No Rio e em São Paulo eles estão sendo desativados.
O problema é a implementação. Cegos sabem andar em passeios sem guias. O piso
táctil em todo o mundo é colocado apenas em desníveis, barreiras e cruzamentos.
Universalizado deixa de ser uma linguagem e passa a ser ruído. Melhor seria
eliminar as rampas de carros, colocar sinaleiras sonoras, restaurar os passeios
e fazer bases nos orelhões. A bike Itau é também simpática, mas até agora tem
sido tratada como lazer e não como modal, Um terço da população de Salvador não
pode pagar transporte. As avenidas de vale são planas e a Conder tem uma
ciclovia engavetada há anos. Redes de ciclovias são faixas exclusivas integradas
a bicicletários nos terminais de transporte.
Não critico a prioridade no Farol. Aquela é a ponta do padrão e boca da baia,
que um tecnocrata queria amordaçar. O Farol já foi um ícone popular: do footing,
da sorveteria do Oceania, do clube Palmeiras e do Chame-Chame da minha
juventude, e continua sendo ponto obrigatório das linhas populares de ônibus.
Aguardo a promessa do prefeito de fazer o mesmo na Ribeira, Paripe e Tubarão.
O equivoco está na redução em 60 % a outorga onerosa das novas torres (A Tarde,
23/8/14) e como compensação o aumento do IPTU. Equivoco porque a verticalização
exige a ampliação da infraestrutura urbana que recai sobre a prefeitura, mas
gera também mais-valia que é apropriada só pelas imobiliárias. Os maiores bancos
e empreiteira do país nasceram da acumulação da mais-valia urbana, enquanto a
infraestrutura das nossas cidades se degradava. Onde existe uma casa surge uma
torre de 40 andares e sete vagas por apartamento que irão travar a via. Estas
vagas e enormes varandas gourmet são isentas de tudo.
A verticalização provoca três impactos: na identidade urbana, na congestão do
trafego e no meio ambiente. Imagine ir a Paris ou Roma e não poder ver a torre
Eiffel e o Coliseu, como nós deixamos de ver o mar e as torres das igrejas. Isto
se traduz em perda de turismo e dinheiro. As nossas ruas não alargam um
centímetro, enquanto a densidade populacional e a frota de carros crescem
exponencialmente roubando horas de trabalho e descanso.
A barreira de edifícios, cujas garagens ocupam todo o lote, além do
sombreamento, impermeabilizam o solo, geram inundações e provocam ilhas de
calor. Estudos da UFSE em Aracaju mostram que na terceira quadra da orla, que é
ocupada só por edifícios de cinco andares á temperatura chega a 5 º C mais que
na orla. A altura máxima dos edifícios deve ser determinada pela capacidade da
via e o que passar do coeficiente de aproveitamento um deve ser cobrado como
outorga onerosa. A medida só irá favorecer os especuladores de transcons. A
crise do setor imobiliário é de superoferta e mais estimulo só piora a situação.
SSA: A Tarde, 31/8/14