Artigos de Jornal
Corrupção e Governabilidade
Há cerca de dois anos perguntei: “Podemos festejar mensalão nunca mais?”, em
artigo publicado neste jornal em 16/8/12. Não deu outra, mais um escândalo acaba
de explodir ligando grandes empresas públicas e privadas a partidos, políticos e
governantes. Esse tema não é novo. Desde a redemocratização, para não falar nas
ditaduras, praticamente todas as administrações e partidos estiveram envolvidas
em suspeitas de superfaturamentos, lavagem de dinheiro e subornos. Sarney, com o
escândalo da Ferrovia Norte/Sul, Collor de Mello com repatriação de dinheiro da
campanha do Uruguai, FHC com suposta compra de votos para aprovar a renovação
dos mandatos e os governos do PT com o mensalão e o atual escândalo da
Petrobrás. Apenas Itamar, o breve, não foi envolvido. Também governos estaduais
estiveram envolvidos em escândalos, como os de Minas, Distrito Federal, Rio de
Janeiro e São Paulo.
Em todos os casos a corrupção esteve ligada a compra de votos. Em outras
palavras, a corrupção está intimamente ligada à governabilidade. Isso ocorre
porque na organização política brasileira não existe fidelidade entre o
legislativo e o executivo, como sucede nos regimes parlamentaristas das
democracias ocidentais, em que o primeiro-ministro é eleito pelo parlamento.
Quando este vínculo se rompe o gabinete cai. Por outro lado, no
presidencialismo, o presidente tem mais autonomia que um primeiro-ministro e não
depende de medidas provisórias. Nos Estados Unidos o presidente é praticamente
um primeiro-ministro, pois é eleito pelos delegados do partido que reunir maior
apoio popular. Como o regime é bipartidário, ou se é situação e apoia o governo
ou se perde a próxima eleição.
No Brasil temos um regime bastardo, que não é nem parlamentarista, nem
presidencialista, porque em 1988 o presidente Sarney indeferiu a figura do
primeiro-ministro da constituição inspirada por Ulysses Guimarães e Tancredo
Neves e manteve o presidencialismo clientelista. Assim, tudo tem que passar pelo
Congresso e o presidente para governar deve disputar o apoio da maioria dos 500
deputados federais e 80 senadores; Aí se estabelece uma barganha promiscua entre
o executivo e o legislativo. Nessa barganha entram cargos, liberação de recursos
para obras e valores menos ortodoxos que vêm do tesouro e das estatais. É neste
ponto que entram as empreiteiras superfaturando as obras e lavando dinheiro para
fidelizar a base política do governo. O mesmo se repete nos governos estaduais e
municipais.
O regime político bastardo vigente é estruturalmente corrupto e não será sarado
apenas com o financiamento público das campanhas eleitorais e pequenos ajustes,
como apregoam os políticos. Ou encaramos seriamente o parlamentarismo, como na
maioria das democracias ocidentais, ou continuaremos a ser uma pseudo-democracia
latino-americana desigual e corrupta. Precisamos de um parlamentarismo com
partidos fortes, que necessariamente se formarão, e não o arremedo adotado no II
Reinado e em 1961 para driblar Jango ou manipulado como no plebiscito de 1993 em
que se confundia parlamentarismo com monarquismo. Este é o dilema da nossa
sociedade nesta eleição, que os nossos políticos fingem ignorar para não
perderem o cheque em branco que têm em mão.
SSA:A Tarde, 14/09/14