Artigos de Jornal
O último engenho íntegro da Bahia
A história brasileira foi sustentada entre o século XVI e parte do XIX pela
agroindústria açucareira. A estrutura patriarcal, a escravatura, a miscigenação,
as rebeliões libertarias e a cultura popular resultam desta economia,
especialmente na Bahia e em Pernambuco, os dois maiores produtores mundiais do
período.
Dos 500 engenhos da Bahia, em meados do século XIX, não restam senão cerca de
dez casas-grandes, algumas capelas e duas ou três fábricas, mas apenas um
engenho completo. Quando coordenei o Inventario de Proteção do Acervo Cultural
da Bahia (7 volumes) levantamos todos estes testemunhos mas nenhuma das medidas
propostas foi adotada. Sobre esta documentação Esterzilda Berenstein de Azevedo
escreveu teses de mestrado e doutorado na UFBA e USP. A primeira “Arquitetura do
Açúcar” publicada pela Ed. Nobel, 1990. A segunda resumida em “Engenhos do
Recôncavo”, IPHAN 2009.
Um dos mais notáveis monumentos deste ciclo, o engenho Freguesia, pertencente ao
estado, permanece em obras há décadas. Sem vigilância, o museu ali instalado
teve seu acervo de móveis, louças e cristais roubado e sua fábrica pilhada pelos
vizinhos para utilização de suas pedras, madeiras e telhas em suas casas. Uma
das poucas fabricas que ainda se mantém, mas sem seus equipamentos, é a do
engenho Cajaiba, em São Francisco do Conde. A bela fábrica em arcos foi
transformada em cavalariça e depois abandonada.
A pobreza da Bahia não é só econômica, mas de empreendedores de talento. Em
Pernambuco foi criada a Rota dos Engenhos e Maracatus com pousadas, restaurantes
e centros culturais como o existente no belo Poço Comprido. Na Paraíba criaram
os Caminhos dos Engenhos. Noventa fazendas de café do vale do Paraíba do Sul são
preservadas como pousadas, restaurantes e casas de fim de semana. Na Bahia
poderíamos ter a Envolvente dos Engenhos, Capoeira e Samba de Roda do Recôncavo
com as cidades históricas, casas-grandes e capelas que ainda restaram e a rica
cultura popular local. Será que nossos empresários não têm uma ambição maior que
possuir uma Mercedes e uma lancha seminovas?
Uma exceção é o casal Arilda e José de Sousa criadores da pousada Catarina
Paraguaçu e da academia Vila Forma, que restaurou e deu uso a duas belas casas
do Rio Vermelho e o ultimo engenho real da Bahia. O Engenho de Baixo, em
Aratuipe, com acesso por Nazaré está completo, possui casa-grande acoplada à
fábrica com roda d´água, moenda, forno com tachos, casa de farinha e moinho de
dendê, tudo acionado pelas “levadas” d’água. O engenho está em um parque com
restos de mata e de uma senzala, açude, pomar, pastos, uma cachoeira e um
banheiro-cascata que provoca orgasmos no banho.
Cansados das filas do ferryboat, Arilda e José querem passar o engenho para quem
tenha a mesma paixão que eles pela história e pelo belo. Vendem o engenho de
cancela fechada, com amimais, móveis do s. XIX e uma coleção notável de
instrumentos de trabalho pré e proto-industriais. Não temos tradição de mecenato
e cabe ao poder público preservar este parque para ensinar às novas gerações
como funcionavam os engenhos, que eram de açúcar para os senhores e de fel para
os escravos. Está feito o lembrete. Aprovado?
SSA: A Tarde de 1º/03/15