Artigos de Jornal
A crise não é só política, é institucional
A nação ainda não despertou para a gravidade da crise atual. Há duas semanas
passamos a viver um parlamentarismo disfarçado. O poder migrou do Executivo para
o Congresso. A Constituição de 88 é parlamentarista e tudo tem que passar pelo
Congresso. Mas como o mandatário não é eleito pelo parlamento, como nos EUA, o
presidente tem que ser um malabarista para governar. Todo mágico tem como
instrumentos uma capa e uma cartola. Da cartola ele tira os coelhos que exibe
para um público extasiado. Os coelhos, no caso, são as medidas provisórias, um
instrumento de exceção previsto no parlamentarismo, mas que passou a ser a regra
no Brasil, depois de 1988. Fernando Henrique e Lula a utilizaram cerca 4.500
vezes e Dilma deverá chegar lá.
O outro instrumento é a capa, que encobre o truque para aprovar leis e medidas
provisórias. Como a boca da urna é estreita, só é possível aprovar uma
legislação lubrificando o voto de muitos congressistas. Recentemente o
ex-ministro Cid Gomes denunciou a composição do nosso Congresso com 300 a 400
achacadores. Foi com esses truques que todos os presidentes desde Sarney
governaram. Mas a inconfidência de um auxiliar pôs a nu a mágica besta.
A inconfidência começou com o mensalão e explodiu com o petrolão. Quando o
oleoduto secou a máquina travou e a presidente ficou prisioneira do Congresso.
Para salvar o seu império ela entregou o bastão ao presidente do PMDB, seu vice
e agora “primeiro-ministro” Michel Temer, que já controlava a Câmara e o Senado.
Dilma passa a ser então apenas uma figura de representação para fazer
inaugurações e falar na TV e nos fóruns internacionais, como uma rainha que
reina, mas não governa.
Mesmo no presidencialismo norte americano há um vínculo entre o Executivo e o
Congresso, pois os presidentes são eleitos indiretamente pelos delegados do
partido majoritário nas eleições. Como o regime é na prática bipartidário, ou o
partido vencedor apoia o presidente ou perde o mando e a próxima eleição. No
parlamentarismo uma das atribuições do presidente ou do rei é dissolver o
gabinete, quando ele não mais se entende, e, em casos mais graves, convocar
eleição para a formação de um novo Congresso.
Nem essa atribuição sobrou para a presidente, que terá que dormir com o
carcereiro até o fim do mandato. Para piorar a situação, o PMDB, a oposição e a
mídia de aluguel levantaram a tese do impeachment. Institucionaría-se, assim, um
parlamentarismo às avessas. Se essa tese vingasse teríamos um parlamento com
força absoluta e estaríamos a um passo de um golpe de estado. Já com todo o
poder na mão e temendo o golpe, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e
Fernando Henrique aconselham seus seguidores, em Comandatuba diante da fina flor
do empresariado, a abandonar a tese. O que se pode esperar dessa aliança?
O PMDB, o PP e o PSDB não vão largar o osso, senão impor sua modernização
conservadora. Mas é pouco provável que consigam conter a insatisfação popular
com a volta da inflação, o desemprego e a perda de conquistas trabalhistas. Este
será o cenário para uma profunda reforma institucional, que se espera seja feita
por uma nova e autentica constituinte, diante do descrédito da classe política.
Qualquer remendo será apenas provisório.
SSA: A Tarde, 26/04/15