Artigos de Jornal
A Internete e as nossas cidades
O colega Gilberto Corso, da UFBA, me pediu um pequeno texto para servir de
base a uma oficina sobre “A internet e as pessoas em Salvador”. Gosto desses
desafios e passei a matutar. A internet vem transformando a vida de todos nós e
vai transformar ainda mais. Nos restaurantes casais não conversam, navegam na
internet. Nas ruas, muitas pessoas com fomes nos ouvidos caminham desatentas
enquanto ouvem músicas. Alguns acham que ela segrega. Para mim ela não isola,
senão que manda recados por debaixo do pano. Foi a internet que uniu milhares de
cidadãos no Cairo e em outras capitais do Oriente Médio para derrubarem
ditadores. O estouro do admirável gado novo, em junho de 2013, se alastrou por
todo o país com os mugidos na internet. Só agora as autoridades estão
despertando para o seu aviso.
Uma das características mais distintivas da internet é a desterritorialização.
Call centers de empresas e bancos americanos e europeus estão na Índia e na
China a milhares de quilômetros de suas sedes. Há um filme argentino chamado “Medianeras”,
nome daquelas paredes que ligam e separam duas edificações. Nele um rapaz e uma
moça solitários começam um namoro pela internet e a certa altura resolvem se
conhecer imaginado que moravam a milhares de quilômetros de distância e
descobrem que eram vizinhos da mesma quadra, um acaso. Em 1992, fui a Sevilha
ver a Exposição Universal do Descobrimento da América. Ali conheci um colega
peruano que lutava, há anos, para ter reconhecido seu diploma. Cansado, resolveu
trabalhar na Alemanha sem sair de casa. Desenvolvia projetos para grandes
escritórios e ia uma vez por ano a Berlim para ajustar suas contas.
Podemos ver filmes e concertos e fazer compras sem sair de casa. Com isso
podemos diminuir o trafego nas cidades e torna-las mais humanas. Estudantes
podem fazer cursos em universidades distantes indo apenas algumas vezes aos seus
campi. Pela internet é possível vigiar a casa desde o escritório, em outra
cidade. Mas a internet serve também ao mal. Extorsões e crimes são comandados de
prisões, hackers transferem milhões de dólares de clientes de bancos para suas
contas e ainda são disputados, a peso de ouro, pelas empresas de segurança
bancaria. O terrorismo articula suas ações através de inocentes jogos infantis,
para ninguém desconfiar
O polémico aplicativo “uber”, que transforma carros de passeio em táxis é a
última ferramenta da internet de serviços urbanos. Mas não são apenas os
taxistas que estão preocupados, senão as gravadoras, as locadoras de carros e
apartamentos, os hotéis e empresas prestadoras de serviço. E o que será dos
shoppings centers com seus altos custos de energia, segurança e promoções diante
dos Submarinos da vida que vendem para todo o pais, sem ar condicionado nem
decoração e dispensam estoques, repassando os pedidos para os fabricantes? Os
grandes grupos internacionais sabem que os shoppings estão em crise e só se
interessam por redes de supermercados, que trabalham com produtos perecíveis,
que não podem ser enviados pelo correio. Como seria interessante discutir esta e
outras questões sem as peias das pautas e dos lobbies, pensando no futuro de
todos.
SSA: A Tarde, 06/12/15