Artigos de Jornal
Shoppings versus ruas comerciais
Quando foi criado em Salvador o primeiro shopping, no início da década de
1970, muita gente pensou que as ruas comerciais iriam acabar. Mas não é isso o
que está ocorrendo nos países desenvolvidos, especialmente nos EE. UU. Cultura,
política urbana e preço do solo nunca permitiram a instalação desses vórtices de
trafego dentro das cidades lá. Fazer compras na Rua do Ouvidor, no Rio; na
Baixa, em Lisboa; no Boulevard Haussmann em Paris; na Via del Corso em Roma, ou
na 5ª Avenida em N. York é uma viagem cultural que não se compara à mesmice dos
shoppings com lojas, decoração e produtos iguais, em todo o mundo.
E não se diga que são locais só turísticos. Naquelas cidades há boas zonas de
comercio de classe média, como o Bairro Alto de Lisboa, o estudantil Quartier
Latin de Paris, o Trastevere de Roma, e o Soho de N. York. Se quiseram centros
mais populares, podem ir às feiras da ladra de Paris e Lisboa, a Porta Portese
em Roma e a Portobello em Londres. Fui com um colega a um shopping na periferia
de Madri e lá os moradores exigiram que fosse feito um mercado integrado ao
shopping, onde eles pudessem provar o queijo, a charcutaria e o vinho da casa e
não comprar produtos inodoros e envelopados.
Os malls e outlets americanos estão no campo, à margem de autopistas, e são
galpões em que cada loja controla o seu consumo de energia. Os daqui seguem o
modelo canadense, com iluminação e aeração artificiais, porque lá eles são
subterrâneos, devido ao clima. Com a luz e a paisagem tropical nossos shoppings
são uma aberração. Quando disse que os shoppings estavam em crise, neste jornal,
alguns leitores puseram em dúvida a minha afirmação. Mas uma amiga, muito atenta
às mudanças culturais, me mandou a referência de dois sítes chocantes:
Deadmalls.com e This is Dan Bell, este último um fotografo especializado em
edifícios abandonados que reuniu fotos de ruinas de shoppings em Dead mall
series. São centenas deles nos EE.UU. e Canadá. Continuei a busca e encontrei
farto material em Shoppings abandonados e Defuncted shoppings malls. Num deles
há um excelente artigo da BBC/Brasil intitulado “Os shoppings estão fadados a
sumir do mapa nos EE.UU.?”
Seu auge ali foi nos anos 90, quando se abririam 140 por ano. Depois de 2007 não
se abriu mais nenhum. O arruinamento do shopping Aeroclube e a decadência do
Baixa dos Sapateiros e dos menores não é um acaso. Eles estão sendo abandonados
pela concorrência desigual de sites de compras na internet, que cresceram 38% em
2015 no pais, e porque o carro privado está sendo desativado também. O efeito
desses dois fenômenos vai mudar as nossas cidades. A USP, FGV e SEBRAE vêm
realizado estudos sobre ruas de comercio que estão alimentando políticas urbanas
espertas no Sudeste. É o caso do Corredor Cultural do Rio, que inclui a
Cinelândia, ruas 1º de Março, 7 de Setembro da Assembleia e a Praça 15.
Por outro lado, os comerciantes dessas ruas estão se organizando. O melhor
exemplo é a Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfandega, SAARA, na
mesma cidade, que faz promoções e mantêm vigilância privada na área. Essas duas
entidades são responsáveis pela vitalidade do centro antigo do Rio. Em São Paulo
podemos citar a Associação Viva o Centro. Essas não seriam referencias para
Salvador? A crise em curso dos shoppings deve provocar mais atenção das
autoridades para os espaços públicos de comercio e diminuição da circulação de
carros, o que é muito positivo para as cidades.
P.S. – Sobre o artigo “Dia do Arquiteto e Urbanista”, o Pres. do Icomos /Br
esclarece que o convite do CAU/BA era pessoal e não funcional, para falar sobre
“Patrimônio Histórico” e não sobre o Centro Histórico. E que o órgão divulgará,
em breve, um parecer sobre as demolições de maio.
SSA: A Tarde de 03/01/16