Artigos de Jornal
Para que serve o BID?
Muitas áreas centrais de nossas cidades enfrentam graves problemas de
decadência. Uma das possíveis soluções é apelar para o BID. Foi o que fizeram
muitas cidades americanas e canadenses. No início da década de 1980, a Midtown
Manhattan estava cheia de prostíbulos disfarçados de boates, sex-shops, bocas de
fumo e espeluncas para imigrantes. Nas calçadas, as “meninas” faziam o
“trottoir”, enquanto traficantes ofereciam “smoke” e bêbados mendigavam. A
recuperação da mais famosa esquina do mundo, o Time Square, se deve ao BID. Ele
foi criado em Toronto, em 1970, e logo se espalhou pelo Canadá e EUA. A esta
altura os economistas amigos estão ansiosos para me corrigir dizendo que o BID
nasceu em Washington em 1959 e não em Toronto e que o BID é uma instituição
falida. Mas insisto, ele nasceu da iniciativa de alguns lojistas do centro de
Toronto que se cotizaram para melhorar a segurança e a limpeza do local. Logo a
prefeitura reconheceu e institucionalizou a associação passando para ela parte
dos impostos arrecadados no bairro. Assim nasceu o primeiro BID, sigla inglesa
de Business Improvement District, ou área de recuperação de negócios.
Como esta é uma instituição municipal, seu estatuto varia muito de cidade para
cidade. No melhor caso, a prefeitura repassa a totalidades dos impostos para a
BID, que frequentemente contrata a própria prefeitura para colocar mais garis e
guardas municipais ou melhorar a iluminação pública. Os resultados foram
surpreendentes pelo conhecimento dos lojistas e moradores dos problemas locais e
a capacidade de convencerem seus pares a mudar a natureza de seus negócios e
recuperar seus imóveis. Em casos de resistência, os BIDs podem acionar o poder
de polícia das prefeituras para força-los a aceitar a decisão da maioria.
Curiosamente uma versão especial de BID foi responsável pela extraordinária
recuperação da arruinada Havana Velha, em Cuba. Meu amigo Eusébio Leal, que tem
o título de Historiador da Cidade, criou a Habaguanex, uma empresa pública de
gestão e obras públicas que arrecada os impostos e taxas de hotéis,
restaurantes, bares, lojas, agências de turismo, taxis e até do terminal
turístico do porto. Com esses recursos ele restaurou, nos últimos 35 anos, 300
monumentos para hotéis, escolas e repartições públicas e 220 sobrados para
habitação de moradores locais. Mas o desafio é muito maior e requer tempo.
Naturalmente por ali circulam e trabalham pessoas que vivem em outras áreas da
cidade que não receberam as mesmas melhorias.
Associações civis com os mesmos objetivos estão se formando no Brasil, como a
SAARA no centro do Rio, a ALOJ dos Jardins paulistanos e a AMERA da Rua Amauri
na mesma cidade, mas que não contam com nenhum benefício oficial. O colega Mário
Bestetti me mandou material muito interessante de projetos de melhorias de ruas
comerciais em cidades do interior da Bahia e de Mato Grosso do Sul promovidos
por CDLs e SEBRAEs locais, mas que na maioria dos casos naufragaram por falta de
apoio oficial, autonomia e continuidade administrativa.
Não acredito na recuperação da Conceição da Praia, do Taboão, da Baixa dos
Sapateiros e da Calçada com o confisco dos imóveis arruinados, senão com BIDs,
que infelizmente não foram previstos no PDDU. A questão não é física, senão
socioeconômica. Os comodatos de sobrados do Pelourinho só criaram um grande ônus
para o estado, sem nenhuma sustentabilidade. É necessário esclarecer que os BIDs
não são o mesmo que a polémica “concessão urbanística”, prevista no Plano
Diretor Estratégico de São Paulo, que permite a empresas privadas explorarem
espaços públicos e obras de infraestrutura. “A praça é do povo, como o céu é do
condor”, dizia Castro Alves. Os BIDs são formas avançadas de gestão
participativa que não dispensam o planejamento e o investimento público.
SSA: A Tarde 17/01/16