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Uma central fora do eixo

  • 14 de Fevereiro de 2016

Há cerca de uma década estive em San Antonio, no Texas, participando de um congresso. A cidade havia envolvido o velho aeroporto, que não operava os novos aviões. A construção de um novo aeroporto era uma unanimidade, mas sua localização levantava fortes discussões. As autoridades estaduais mandaram fazer estudos independentes de três possíveis localizações considerando o número de moradores deslocados, o impacto sobre o sistema viário, a agricultura, o sono e ouvidos dos vizinhos, e a renúncia a outras obras públicas com os gastos da localização escolhida. Esses estudos, em linguagem acessível, eram expostos nos terminais de transporte, supermercados, correios e escolas com uma urna e convite para a população votar. Mais que o resultado, o importante era o processo democrático de construção de um equipamento público. O Governador queria evitar o desgaste político com os impactos inevitáveis da obra. Ainda estamos muito longe dessa consciência cidadã e visão de longo prazo dos políticos.

O metrô Salvador/Lauro de Freitas é uma unanimidade, mas a forma como está sendo feito destruindo um parque de 13 km, sem articulação com o centro histórico, o Comercio e o Campo Grande e passando a 2 km do Aeroporto é muito polémica. Havia outra solução? Sim, o primeiro projeto do metrô atendia àqueles núcleos e a Linha 2 poderia ser feita em falso túnel, como em Brasília, sem destruir o verde e dividir a cidade em Miolo pobre e Orla rica. Eu e outros técnicos advertimos o público e as autoridades, em vão. Perde a classe média que continuará amargando os engarrafamentos, os moradores e funcionários na Paralela com a matraca diuturna, os pobres para chegarem á praia e os baianos em geral com o cancelamento de obras importantes para subsidiar um metrô deficitário que não atende às áreas mais populosas da cidade. Ganha apenas a concessionaria com um projeto medíocre.

Um outro projeto polêmico vem sendo anunciado pelo Estado, sem nenhuma consulta à população e aos urbanistas locais: a nova rodoviária de Águas Claras, na divisa com o município de Simões Filho. Em São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Brasília, para citar as maiores capitais do pais, centrais rodoviárias, ferroviárias e metroviárias estão na área central daquelas cidades, como no resto do mundo. Excêntrica, a nova rodoviária obrigará os que vêm do interior a pegarem taxis para chegar ao centro e outros destinos, gastando mais do que pagaram para viajar 120 km ou mais. Em Aguas Claras, cada ônibus se transformará em 40 taxi para congestionarem ainda mais a cidade, pois o metrô não serve a toda a cidade. Reinais que vêm a Salvador fazer hemodiálise duas ou três vezes por semana, teriam que gastar o que não possuem para chegarem a um dos hospitais públicos, ou renunciarem ao tratamento.

Seria possível manter a atual rodoviária aliviando o transito no Iguatemi? Sim. O professor Firmo de Azevedo da Faculdade de Arquitetura da UFBA desenvolveu com seus alunos projeto de acesso ligando a BR 324 ao vale existente atrás do Detran chegando ao fundo da atual rodoviária. Ali é possível criar um grande pátio para os ônibus e tirá-los do Iguatemí. A única obra d’arte necessária é um túnel de 150 m por debaixo da rua Numa Pompilho Bittencourt, em Pernambués. Isto custaria muito menos que construir uma nova rodoviária e comprometer a ligação da capital com o interior. Será que os técnicos do estado não viram esta possibilidade? É provável que sim. Mas a decisão política é outra. É tentar vender a atual rodoviária, o Detran e o Desenbahia para um mercado imobiliário em crise e cobrir o déficit publico. Não culpo apenas os governos em seu imediatismo, senão a sociedade civil, que não se mobiliza para defender seus direitos, como fizeram as sufragistas inglesas (vejam o filme) e norte americanas e Martim Luther King no século passado. Recentemente os secundarias de São Paulo deram uma lição de cidadania rebelando-se contra a venda das suas escolas, e venceram. Mas não adianta chorar depois do leite derramado, a hora é esta.

SSA: A Tarde, 14/02/16


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