Artigos de Jornal
A nova cozinha baiana
Costumo escrever crônicas aproveitando o noticiário. É a maneira de discutir
notícias que são divulgadas sem comentários. Algumas delas são irrelevantes,
outras dramáticas, e há ainda as extravagantes, fazendo lembrar a frase famosa
de Mangabeira. Antes de comentar sobre os novos acarajés, gostaria de divulgar
uma notícia que li no site Bahia Notícias, edição de 25/02/16: “A Assembleia
Legislativa da Bahia (AL-BA) aprovou nesta segunda-feira (15) uma lei que
declara a Bíblia como patrimônio imaterial da Bahia. O texto foi aprovado pelo
plenário da Casa e publicado no Diário Oficial do Legislativo desta quarta-feira
(17)”. Permita-me o nobre deputado sugerir o acionamento do lobby evangélico
junto à “presidenta” para conseguir da UNESCO a declaração ecumênica da bíblia,
do alcorão e de outros livros sagrados patrimônio imaterial da humanidade. Isto
porque o grã-rabino de Israel, o papa Francisco e os líderes evangélicos
mundiais, enciumados, poderiam mover uma ação pela apropriação indébita de um
livro escrito na Palestina, em 1.500 a.C. pela Bahia, de apenas 465 anos de
fundado, e nada a ver com seus protagonistas e autores. Com o prestigio que goza
a “presidenta” junto à ONU, onde conseguiu o apoio ao combate à “mosquita” aedis
aegypti, seria fácil aprovar esta nobre causa.
Devo, porém, dizer que esse instituto anda desgastado. O modo de fazer o acarajé
foi declarado patrimônio imaterial do Brasil em 2004, o que não impediu de ser
preparado com outros condimentos, rebatizado de “bolinho de Jesus”, e suas
vendedoras proibidas de usarem a veste das baianas. Também não impediu que seus
ingredientes fossem alterados e seu nome eufemisticamente utilizado para nomear
bolinhos verdes cuja função seria melhor designada, no imperativo, “vatapá”.
Esses dois fatos reforçam a minha convicção de que o registro de bens imateriais
é apenas uma certificação, como os desprestigiados ISO 2000 e Top of Mind, que
não contribuem para sua preservação, senão para a sua mercantilização turística.
Outras notícias têm um efeito devastador nas redes sociais, como o pedido de
inclusão na Lei Rouanet de financiamento da biografia de uma diva baiana, que
pretende repetir Carmem Miranda e Shakira. Diante da reação pública, a empresa
responsável pela marca desistiu de captar os recursos. Dinheiro de renúncia
fiscal é dinheiro público. Em nota, o Ministério da Cultura afirmou: “O MinC não
tem respaldo legal para não acatar o projeto e cumpre a análise com base nas
questões objetivas previstas na legislação”. Sendo assim, é preciso mudar, já
tardiamente, a Lei Rouanet, porque, além da renúncia fiscal, ela implica também
a renúncia à política cultural pública.
Sueltos ou notícias menores de jornais nos fazem recordar o Festival de Besteira
que Assola o País, Febeapá, título de dois livros do jornalista Sérgio Porto, de
meados de 1960. Neles ele reuniu pérolas como “O mal do Brasil é ter sido
descoberto por estrangeiros”, de um deputado carioca. Com o pseudônimo de
Stanislaw Ponte Preta, ele explicava a origem do festival: “É difícil ao
historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o
país. Pouco depois da ‘redentora’, cocorocas de diversas classes sociais e
algumas autoridades que geralmente se dizem ‘otoridades’, sentindo a
oportunidade de aparecer, já que a ‘redentora’, entre outras coisas, incentivou
a política do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar
com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo –
alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia
prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar” (Febeapá 1, p.5).
Enganou-se Stanislaw pensando que o festival seria temporário, já dura meio
século.
SSA: A Tarde, 13/03/16.