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1984 é agora e aqui

  • 27 de Março de 2016

Senti pela primeira vez a profecia de George Orwell no início dos anos 70 durante uma visita de Nixon a Roma, onde eu fazia um doutorado. Helicópteros militares da base americana de Nápoles roçavam os telhados. Encima dos edifícios fuzileiros apontavam para a multidão que protestava. Se alguém levantasse uma muleta ou apontasse uma teleobjetiva poderia ser fuzilado. A profecia não estava completa. De lá para cá criou-se um sistema de vigilância político/policial, que não poupa nem presidentes, como Angela Merkel e Dilma e bisbilhota empresas, como a Petrobrás. Os que denunciaram os grampos ilegais e os excessos do exército de ocupação do Iraque estão exilados em embaixadas ou países estrangeiros e proibidos de falarem, como Assange e Snowden.

Bilhões de minicâmaras estão hoje espalhadas por todo o mundo, nas ruas e praças, em estações de transporte, estádios e em sanitários públicos e ligadas aos satélites. Toda esta rede de espionagem, que Orwell apenas imaginou, e se tornou realidade, a quem serve? Para Orwell, ao comunismo internacional. Mas o que se viu foi o contrário, serve ao capitalismo transnacional. Nada disso nos deu mais segurança, evitando os atentados da França e da Bélgica e a criminalidade em nossas cidades. Servem apenas para o controle político. Orwell previa, em 1948, uma espécie de aparelho de TV com câmaras para controlar diuturnamente todos os cidadãos, em suas casas. Elas são as TVs interativas. Mas já chegam tarde, pois os nossos smart phones, note books e tablets fazem o mesmo. Fotos e fichas de todos nós estão em alguma nuvem. As empresas de cartões de credito sabem o que, quando, onde e quanto pagamos por bens e serviços. Vendem essas informações e nossos e-mails para empresas que nos massacram com seus spans vazios.

Nunca se viu tanto voyeurismo público e privado. As câmaras do Big Brother Brasil não estão apenas no Projac, mas nas nossas casas, escritórios, escolas e fábricas. Há um cenário novo que Orwell não previu, a sociedade ou civilização do espetáculo, analisado por Guy Debord em 1967. Monteiro Lobato, que morreu em 1948 e não conheceu a TV, dizia que não existia opinião pública, senão opinião publicada. O que diria hoje? Somos o admirável “gado novo”, marcado e feliz, cantado por Zé Ramalho. A este propósito, quero fazer referência ao excelente artigo do Prof. Ponciano de Carvalho “Há razão jurídica no processo penal do espetáculo?” publicado neste jornal no último dia 18.

Por trás da crise política/econômica, há uma crise institucional mais grave, a do presidencialismo de coalizão, e que sem resolvê-la vamos continuar convivendo com partidos de aluguel, com a ingovernabilidade e a compra de votos. A corrupção envolve todos os partidos e ninguém acredita nos políticos. Há uma crescente tensão, não só entre o Legislativo e o Executivo, como entre setores recém incluídos na sociedade e uma classe média temerosa de perder privilégios que só existem no Brasil. Nesse quadro, caberia ao judiciário exercer uma ação moderadora para evitar uma conflagração social. Mas a vaidade de alguns de seus membros, políticos oportunistas e uma mídia alienada não consideram a gravidade do momento e investem no espetáculo.

Há um ano, o Brasil, o mais influente país da América Latina, está parado. Os principais corruptos já foram alforriados com o ritual das delações premiadas, enquanto a Petrobrás e as maiores empresas brasileiras estão sendo sucateadas. O principal cientista nuclear brasileiro foi preso sob a acusação de corrupção, e o desenvolvimento de um caça e a construção um submarino nuclear por empresas brasileiras com tecnologias europeias e nacionais estão sob suspeita e podem ter o mesmo fim da base de Alcântara. Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay!

SSA: A Tarde, 27/03/16


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