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“Somos todos iguais nesta noite”

  • 08 de Maio de 2016

Tomo de Ivan Lins o título deste artigo. “Somos todos iguais nesta noite/ na frieza de um riso pintado/ na certeza de um sonho acabado/ é o circo de novo [...]pelo ensaio diário de um drama/ pelo medo da chuva e da lama”. Não poderiam ser mais apropriados estes versos para descrever o que estamos vivendo. No dia 17/4 se abateu sobre o país mais uma noite de incertezas em uma sociedade dividida. Vivemos um parlamentarismo às avessas. Em que o presidente/primeiro-ministro governa por medidas provisórias negociadas no “toma lá, dá cá” de obras superfaturadas, propina e cargos com parlamentares achacadores, como disse Cid Gomes. Processo iniciado por Sarney, que sancionou uma constituição parlamentarista, mas manteve um presidencialismo refém do Congresso. O uso desses fórceps de governabilidade foi progressivamente apropriado por Collor, FHC, Lula, aperfeiçoado em Minas e São Paulo, e veio à tona com Dilma. O presidencialismo de coalizão chegou ao fim.

Além do impeachment anunciado, a sessão da Câmara de 17/4 pôs a nu o Congresso. Foi uma opera bufa que envergonhou a nação, dirigida por um deputado chamado 44 vezes de corrupto, inclusive por alguns correligionários. Deputados que nunca abriram a boca na Câmara, no picadeiro televisivo, ao invés de justificarem seus votos, mandavam beijos e mimos para seus parentes e eleitores de aluguel. Não faltaram parlamentares apopléticos destilando ódio e vaiando o contraditório, defendendo a teocracia gospel, exaltando a tortura e um prefeito corrupto. A atitude leviana da maioria dos parlamentares contrastou com o comportamento maduro, republicano e democrático do público nas ruas.

Nesse processo ficou patente a força que a mídia exerce no condicionamento da política. Apesar de se dizerem arautos da liberdade de imprensa, os maiores grupos de televisão e editoriais brasileiros não permitem a seus jornalistas emitam uma opinião livre, senão a da corporação, convertendo as mídias, em especial a TV aberta, em um palanque diuturno de propaganda ideológica/partidária. Nesta sociedade do espetáculo, a polícia e a justiça do Paraná, que deveriam conduzir as investigações em sigilo de justiça, deixam vazar, diariamente, escutas telefônicas e imagens que condenam os investigados ao linchamento público, sem direito de defesa.

A nação está ansiosa pela apuração e punição justa dos corruptos, mas se está criando no pais um Tribunal do Santo Oficio televisivo, ao som de matracas e tambores. Muitos juízes americanos e europeus não permitem à TV e aos fotógrafos entrem nos tribunais de júri, pelo perigo da pressão da mídia condicionar o veredicto dos jurados. Aqui, pessoas delatadas, muitas vezes por “ouvir dizer”, são mostradas na TV com as mãos para trás, porque não basta serem suspeitas, precisam parecer algemadas e condenadas. O ex-presidente de uma das empresas envolvida na corrupção, mas que fez acordo de leniência, foi condenado à prisão por 19 anos por um só juiz por não querer ser dedo-duro, enquanto ladrões confessos são mandados para casa porque denunciaram, as vezes sem provas, desafetos ou concorrentes em troca da impunidade.

Não vamos acabar com a ingovernabilidade e a barganha parlamentar sem uma profunda reforma institucional e política, que o atual Congresso e o vice, com apenas 2% de apoio popular e ameaçado do mesmo impeachment de Dilma, não têm condições de o fazer. O modelo político está falido. Só um governo de transição, com o compromisso de convocar uma constituinte para mudar o regime político, pode conseguir. E para que essa constituinte não seja apropriada por oportunistas, os constituintes ficariam inelegíveis por oito anos.

O protesto de 1977 continua atual: “Nós vivemos debaixo do pano/ pelo truque malfeito dos magos/ pelo chicote dos domadores/ e o rufar dos tambores./ Somos todos iguais nesta noite”.

SSA: A Tarde, 8/5/16


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