Artigos de Jornal
“Somos todos iguais nesta noite”
Tomo de Ivan Lins o título deste artigo. “Somos todos iguais nesta noite/ na
frieza de um riso pintado/ na certeza de um sonho acabado/ é o circo de novo
[...]pelo ensaio diário de um drama/ pelo medo da chuva e da lama”. Não poderiam
ser mais apropriados estes versos para descrever o que estamos vivendo. No dia
17/4 se abateu sobre o país mais uma noite de incertezas em uma sociedade
dividida. Vivemos um parlamentarismo às avessas. Em que o
presidente/primeiro-ministro governa por medidas provisórias negociadas no “toma
lá, dá cá” de obras superfaturadas, propina e cargos com parlamentares
achacadores, como disse Cid Gomes. Processo iniciado por Sarney, que sancionou
uma constituição parlamentarista, mas manteve um presidencialismo refém do
Congresso. O uso desses fórceps de governabilidade foi progressivamente
apropriado por Collor, FHC, Lula, aperfeiçoado em Minas e São Paulo, e veio à
tona com Dilma. O presidencialismo de coalizão chegou ao fim.
Além do impeachment anunciado, a sessão da Câmara de 17/4 pôs a nu o Congresso.
Foi uma opera bufa que envergonhou a nação, dirigida por um deputado chamado 44
vezes de corrupto, inclusive por alguns correligionários. Deputados que nunca
abriram a boca na Câmara, no picadeiro televisivo, ao invés de justificarem seus
votos, mandavam beijos e mimos para seus parentes e eleitores de aluguel. Não
faltaram parlamentares apopléticos destilando ódio e vaiando o contraditório,
defendendo a teocracia gospel, exaltando a tortura e um prefeito corrupto. A
atitude leviana da maioria dos parlamentares contrastou com o comportamento
maduro, republicano e democrático do público nas ruas.
Nesse processo ficou patente a força que a mídia exerce no condicionamento da
política. Apesar de se dizerem arautos da liberdade de imprensa, os maiores
grupos de televisão e editoriais brasileiros não permitem a seus jornalistas
emitam uma opinião livre, senão a da corporação, convertendo as mídias, em
especial a TV aberta, em um palanque diuturno de propaganda
ideológica/partidária. Nesta sociedade do espetáculo, a polícia e a justiça do
Paraná, que deveriam conduzir as investigações em sigilo de justiça, deixam
vazar, diariamente, escutas telefônicas e imagens que condenam os investigados
ao linchamento público, sem direito de defesa.
A nação está ansiosa pela apuração e punição justa dos corruptos, mas se está
criando no pais um Tribunal do Santo Oficio televisivo, ao som de matracas e
tambores. Muitos juízes americanos e europeus não permitem à TV e aos fotógrafos
entrem nos tribunais de júri, pelo perigo da pressão da mídia condicionar o
veredicto dos jurados. Aqui, pessoas delatadas, muitas vezes por “ouvir dizer”,
são mostradas na TV com as mãos para trás, porque não basta serem suspeitas,
precisam parecer algemadas e condenadas. O ex-presidente de uma das empresas
envolvida na corrupção, mas que fez acordo de leniência, foi condenado à prisão
por 19 anos por um só juiz por não querer ser dedo-duro, enquanto ladrões
confessos são mandados para casa porque denunciaram, as vezes sem provas,
desafetos ou concorrentes em troca da impunidade.
Não vamos acabar com a ingovernabilidade e a barganha parlamentar sem uma
profunda reforma institucional e política, que o atual Congresso e o vice, com
apenas 2% de apoio popular e ameaçado do mesmo impeachment de Dilma, não têm
condições de o fazer. O modelo político está falido. Só um governo de transição,
com o compromisso de convocar uma constituinte para mudar o regime político,
pode conseguir. E para que essa constituinte não seja apropriada por
oportunistas, os constituintes ficariam inelegíveis por oito anos.
O protesto de 1977 continua atual: “Nós vivemos debaixo do pano/ pelo truque
malfeito dos magos/ pelo chicote dos domadores/ e o rufar dos tambores./ Somos
todos iguais nesta noite”.
SSA: A Tarde, 8/5/16