Artigos de Jornal
A Guerra-Fria já não é mais aquela
Quando Donald Trump passa a ter chances reais de assumir a Casa Branca,
precisamos ter consciência do que isto pode significar para o mundo e para nós.
A Guerra-Fria não acabou e pode se agravar. A disputa não é mais ideológica,
senão estratégica e econômica. A Rússia herdou da União Soviética um enorme
arsenal militar e os Estados Unidos não desativaram o seu. Um dos focos deste
conflito é a Ucrânia. A Rússia reincorporou a Crimeia e os EUA incentivaram as
“revoluções coloridas” no Cáucaso. O objeto imediato da disputa é a Eurásia. No
momento as duas superpotências lutam na Síria, pró e contra-Bashar-al Assad, e a
queda de um avião rival pode dar início a uma terceira guerra.
Na Guerra-Fria bipolar, a ordem era unir o maior número de nações sob a tutela
de uma das duas superpotências para um enfrentamento virtual. O equilíbrio de
forças assegurou meio século de paz tensa, com confrontações na Correia e no
Vietnam. O alardeado apocalipse atômico serviu para as duas superpotências
imporem seu domínio sobre seus parceiros e reprimirem seus anseios de liberdade
e desenvolvimento. Depois da queda do muro de Berlim, a questão ficou mais
complexa. Com o desmoronamento do comunismo já não havia como manter a união
ocidental. O primeiro desafio ocorreu em 1993 com a criação da União Europeia e
o início da circulação do euro em 2002, tirando o monopólio do dólar como moeda
de reserva internacional.
À União Europeia se somaram a China e seus aliados, o cartel do petróleo e
outros grupos regionais. A guerra-fria pela hegemonia mundial assumiu novas
estratégias. A questão agora é desbaratar os blocos emergentes, através do
preceito dos césares: “dividir para conquistar”. As intervenções militares se
restringiram a casos extremos, como o Iraque, com a farsa de armas de destruição
em massa, Afeganistão e Síria. Nos demais casos, bastaria desestabilizar os
países que integram um bloco, através do embargo comercial e financeiro, como o
aplicado a Cuba, Iran e Argentina, a espionagem e sabotagem eletrônica, e a
manipulação de dados econômicos pelas agências de risco, como na crise de 2008.
Complementarmente, bastaria fomentar a insurreições populares nesses países,
mediante a mídia alugada, a ação das ONGs subsidiadas por ricas fundações e a
entrega seletiva de informações sigilosas a parceiros locais.
O bloco dos países produtores de petróleo foi desestabilizado com a Primavera
Árabe, que resultou num tiro pela culatra, com o drama dos refugiados e criação
do Estado Islâmico. A União Europeia começou a ser desestabilizada em 2008 com o
repasse dos papeis imobiliários podres da Fannie Mae e Freddie Mac. Os países
mais pobres, os PIGS (porcos) - Portugal, Irlanda, Grécia e Spain – foram os
mais abalados. Assalariados e aposentados tiveram seus rendimentos reduzidos, o
desemprego explodiu e muitos governos caíram. A França parece ser a bola da vez.
A saída desses países e de outros da zona-do-euro pode significar o fim da União
Europeia. Sintomaticamente, a Inglaterra nunca adotou o euro e a primeira
ministra Merkel foi espionada. Com esta disputa mesquinha, a China, o maior
credor dos EUA, se fortalece. Este sim é o grande desafio às democracias
ocidentais.
A vitória de Donald Trump significará a volta à política beligerante dos Bush.
Bush Jr. foi responsável pelo tsunami, ainda que tardio, de refugiados do
Oriente Médio e África na Europa e sua crescente islamização. A ele se deve,
também, a criação do Estado Islâmico, com a exclusão dos sunitas do poder, no
Iraque. Os agentes do E.I. estão infiltrados em todo o mundo e seu combate é uma
luta de foice no escuro. Para melhor entenderem o que está ocorrendo no mundo,
aconselho aos leitores lerem “A Segunda Guerra Fria” de Luiz Muniz Bandeira,
baiano, hoje radicado na Alemanha e um dos mais creditados cientistas políticos
mundiais. Ele explica o que acontece com nós.
SSA: A Tarde, 5/6/16