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A Guerra-Fria já não é mais aquela

  • 05 de Junho de 2016

Quando Donald Trump passa a ter chances reais de assumir a Casa Branca, precisamos ter consciência do que isto pode significar para o mundo e para nós. A Guerra-Fria não acabou e pode se agravar. A disputa não é mais ideológica, senão estratégica e econômica. A Rússia herdou da União Soviética um enorme arsenal militar e os Estados Unidos não desativaram o seu. Um dos focos deste conflito é a Ucrânia. A Rússia reincorporou a Crimeia e os EUA incentivaram as “revoluções coloridas” no Cáucaso. O objeto imediato da disputa é a Eurásia. No momento as duas superpotências lutam na Síria, pró e contra-Bashar-al Assad, e a queda de um avião rival pode dar início a uma terceira guerra.

Na Guerra-Fria bipolar, a ordem era unir o maior número de nações sob a tutela de uma das duas superpotências para um enfrentamento virtual. O equilíbrio de forças assegurou meio século de paz tensa, com confrontações na Correia e no Vietnam. O alardeado apocalipse atômico serviu para as duas superpotências imporem seu domínio sobre seus parceiros e reprimirem seus anseios de liberdade e desenvolvimento. Depois da queda do muro de Berlim, a questão ficou mais complexa. Com o desmoronamento do comunismo já não havia como manter a união ocidental. O primeiro desafio ocorreu em 1993 com a criação da União Europeia e o início da circulação do euro em 2002, tirando o monopólio do dólar como moeda de reserva internacional.

À União Europeia se somaram a China e seus aliados, o cartel do petróleo e outros grupos regionais. A guerra-fria pela hegemonia mundial assumiu novas estratégias. A questão agora é desbaratar os blocos emergentes, através do preceito dos césares: “dividir para conquistar”. As intervenções militares se restringiram a casos extremos, como o Iraque, com a farsa de armas de destruição em massa, Afeganistão e Síria. Nos demais casos, bastaria desestabilizar os países que integram um bloco, através do embargo comercial e financeiro, como o aplicado a Cuba, Iran e Argentina, a espionagem e sabotagem eletrônica, e a manipulação de dados econômicos pelas agências de risco, como na crise de 2008. Complementarmente, bastaria fomentar a insurreições populares nesses países, mediante a mídia alugada, a ação das ONGs subsidiadas por ricas fundações e a entrega seletiva de informações sigilosas a parceiros locais.

O bloco dos países produtores de petróleo foi desestabilizado com a Primavera Árabe, que resultou num tiro pela culatra, com o drama dos refugiados e criação do Estado Islâmico. A União Europeia começou a ser desestabilizada em 2008 com o repasse dos papeis imobiliários podres da Fannie Mae e Freddie Mac. Os países mais pobres, os PIGS (porcos) - Portugal, Irlanda, Grécia e Spain – foram os mais abalados. Assalariados e aposentados tiveram seus rendimentos reduzidos, o desemprego explodiu e muitos governos caíram. A França parece ser a bola da vez. A saída desses países e de outros da zona-do-euro pode significar o fim da União Europeia. Sintomaticamente, a Inglaterra nunca adotou o euro e a primeira ministra Merkel foi espionada. Com esta disputa mesquinha, a China, o maior credor dos EUA, se fortalece. Este sim é o grande desafio às democracias ocidentais.

A vitória de Donald Trump significará a volta à política beligerante dos Bush. Bush Jr. foi responsável pelo tsunami, ainda que tardio, de refugiados do Oriente Médio e África na Europa e sua crescente islamização. A ele se deve, também, a criação do Estado Islâmico, com a exclusão dos sunitas do poder, no Iraque. Os agentes do E.I. estão infiltrados em todo o mundo e seu combate é uma luta de foice no escuro. Para melhor entenderem o que está ocorrendo no mundo, aconselho aos leitores lerem “A Segunda Guerra Fria” de Luiz Muniz Bandeira, baiano, hoje radicado na Alemanha e um dos mais creditados cientistas políticos mundiais. Ele explica o que acontece com nós.

SSA: A Tarde, 5/6/16


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