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Oswald e a Arquitetura

  • 30 de Março de 1966

Para chegar ao atual momento de sua pintura, Henrique Oswald teve que trilhar uma longa vereda através do desenho, da gravura e da pintura abstrata. O domínio de várias técnicas que tem levado muitos artistas à afetação e ao preciosismo no caso do pintor conduziu-o ao desprezo de todo efeito fácil e vistoso. Sua cultura pictórica é feita pela aquisição e eliminação e não pelo acúmulo indiscriminado de informações.
Se fosse permitido qualificar o pintor com um só adjetivo, diríamos que Henrique é um pintor econômico. Ele tem conseguido fixar o máximo com o mínimo de efeitos e cor. Este alto índice de rendimento de sua pintura pressupõe um profundo conhecimento dos recursos expressivos de cada técnica.
Vários pintores baianos têm procurado interpretar a nossa arquitetura, mas nenhum conseguiu mergulhar mais profundo do que ele na essência desta arte. O que tem sensibilizado a maioria dos nossos pintores que se ocupam do casario é a arquitetura festiva e elegante do século XIX, no que ela tem de pitoresca. Ao contrário, Oswald foi inspirar-se em obras seiscentistas e setecentistas, deselegantes, graves e informais e algumas vezes brutais, mas sempre lindas. Obras grossas e gordas porém densas de invenção e surpresa. Arquitetura que, como Oswald, se abstém de qualquer elemento supérfluo e decorativo, inclusive a cor. Arquitetura feita de espessos muros alvos, crivados por uma fenestração contida e severa.
Na obra do arquiteto da época e do pintor atual o mesmo interesse pelo branco e pela cal, a mesma procura de textura. Em sua pintura Oswald usa pigmentos e sombras, menos por seus valores em si, do que como elementos necessários a recriar o branco e a luz. Não lhe interessa a ilusão de profundidade e sim a luz capaz de definir concretamente cada espaço. Não são estas, por acaso, preocupações básicas de todo arquiteto?
Oswald sentiu bem a nossa arquitetura mais primitiva e a retratou em projeções ortogonais. Sim, porque aquela era uma arquitetura desinteressada de efeitos de qualquer natureza, inclusive os da perspectiva. Henrique abre mão de perspectiva geométrica (renascentista) e da área (medieval), porém cria uma perspectiva cronológica. Os amarelos e castanhos de seus quadros são os tons com quem o tempo tinge todos os objetivos ao longo dos anos. Esses amarelos e castanhos medem a distância no tempo. Não lhe motiva o sobrado frívolo do século passado, novinho como no dia da sua inauguração com todos os azulejos perfeitos, e sim a igreja e o “sobradão” em suas vestes de massa grossa marcadas pela vivência humana. Envelhecidos e dourados como o vinho pela ação do tempo.
A experiência da pintura abstrata e cubista, com a decomposição das formas em espaços, planos, linhas e cores, deu ao pintor o domínio dos componentes básicos da obra arquitetônica. O conhecimento destes elementos básicos possibilitou a Oswald reconstruir aqueles sobrados e igrejas numa visão que não é simplesmente exterior ou pictórica, mas estrutural. Esta estrutura racional da obra poderia conduzir o pintor para uma pintura distante e fria, não fosse o interesse do mesmo pela razão de toda obra de arquitetura - o Homem – sempre presente em sua pintura mesmo quando não visível.

SSA: Jornal da Bahia, de 30-31/05/1965. Republicado em São Paulo: Jornal das Exposições, Museu Afro Brasil, mar. 2015, p. 12-13.


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