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A UFBA e o renascimento baiano

  • 25 de Setembro de 2016

As comemorações dos 70 anos da UFBA não poderiam ser dissociadas de seu fundador. Por este motivo, a Academia de Letras da Bahia promoveu, em parceria com a UFBA, nos últimos dias 12 e 13, o seminário Relendo Edgar Santos. A obra escrita de Edgar não é grande, mas a de gestor cultural é monumental. Em artigo neste jornal em 08/10/96 escrevia: “Edgar Santos, o criador da UFBA, tinha as qualidades de um grande empreendedor e a ambição, o senso de oportunidade e a coragem de um jogador”.

Para entendermos a importância de sua obra é preciso contextualizá-la em seu tempo. A primeira metade do século passado na Bahia foi de marasmo, devido à falência da agroindústria açucareira e a crise do cacau, nos anos 30. Em 1946 ainda não havíamos entrado no ciclo do petróleo, mas vivíamos um momento político e cultural rico: o fim do Estado Novo e o governo de Otavio Mangabeira com um super-secretário de estado genial, Anísio Teixeira, revolucionando não só a educação como a cultura com a Escola Parque e o I Salão Baiano de Belas Artes, já com uma ala de Arte Moderna. Na Prefeitura se elaborava o Plano Urbanístico de Salvador com o Eng. Mario Leal Ferreira, o Urb. Diógenes Rebouças e uma equipe altamente qualificada. Um grupo de artistas plásticos capitaneados por Mário Cravo escandalizava a conservadora sociedade baiana.

Edgar Santos entra nessa onda, institucionalizando pioneiramente no pais o ensino do teatro experimental com Martim Gonçalves, da dança moderna com Yanka Rudzka e da música dodecafônica com Koellreutter, vistas na época como linguagens marginais. Promove assim um verdadeiro renascimento baiano, que reverberaria nas décadas seguintes para além da UFBA e da Bahia, com as Jogralescas do Colégio Central, o Club de Cinema Walter da Silveira, o Cinema Novo de Glauber Rocha, a museologia popular de Lina Bo Bardi e o Tropicalismo musical. Movimentos que seriam reprimidos pela contrarreforma de 1964.

Quem melhor descreveu este renascimento baiano foi Antonio Risério em “Avant-garde na Bahia” (1995) e “Edgar Santos e a reinvenção da Bahia” (2013). Mas ao lado do vanguardismo, ele cortejou também uma elite conservadora brasileira em solenidades pomposas cujo ápice foi a realização do IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, em 1959. Uma das maiores homenagens que se pode prestar à sua memória é a publicação dos anais desse colóquio. Sobre ele existe apenas a tese doutoral de Maria de Fátima M. Ribeiro (UFBA, 1999).

O final de seu longo reitorado de 15 anos foi muito conturbado. Estudantes e professores jovens reclamavam do continuísmo e reivindicavam uma universidade mais tecnológica e desenvolvimentista. O início de sua queda foi o movimento de emancipação do Curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes que contaminaria outras unidades e seria apropriado por políticos oportunistas que temiam sua aspiração ao Governo do Estado. Esta história ainda está por ser contada.

A UFBA se expandiu muito pelo estado nos últimos dez anos. Hoje, ela enfrenta recortes no seu já minguado orçamento e perdas de bolsas do CNPq e da CAPES quando a Bahia vive uma estagnação semelhante à do início do século passado. Só uma revolução cultural como a deflagrada por Edgar Santos pode tirar a Bahia da estagnação. Esta não é uma tarefa fácil, nem exclusiva do reitor João Carlos Salles. No tempo de Edgar, a UFBA tinha o segundo maior orçamento das universidades federais. Só com a expansão do ensino superior de qualidade e a pesquisa podemos ser competitivos e vencer a crise econômica.

Em 1996, eu terminava o meu artigo comemorativo do cinquentenário da UFBA com as seguintes palavras: “Nossa geração, que o contestou de forma dura, mas leal e desinteressada na busca de uma UFBA mais universal, é a primeira a reconhecer a grandeza de sua obra e tem o compromisso de lutar pela sua reconstrução nesse momento difícil por que passa a Universidade Brasileira”.

SSA: A Tarde de 25/09/16


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