Artigos de Jornal
Nobel sem paz, nem literatura
Tem razão Caetano quando diz que “alguma coisa está fora da ordem mundial”. O
anuncio do prêmio Nobel de 2016 não passou de um monumental chabu. Há 50 anos se
luta e se negocia a paz na Colômbia. São dezenas de milhares de homens e
mulheres que não sabem fazer outra coisa senão guerrear e o governo não tem como
dar ocupação ou aposentadoria a eles. As negociações realizadas em Havana, com o
beneplácito de Obama, foi mais uma dessas tentativas. Quando a sociedade já
tinha dito “não”, o comitê do Nobel disse “sim”. Não fará muita diferença,
porque os dois prêmios dados a judeus e árabes, no passado, não conseguiram
contribuir para a paz dos povos. Este, inclusive, é assimétrico, pois só
contemplou uma das partes da negociação, contrariando a tradição do prêmio:
Kissinger-Le Duc (1973), Al Sadan – Menhagen Beguin (1978), Mandela-De Klerk
(1993), Arafat-Perez (1994).
Não sou contra reconhecer a poesia embarcada em canções de protesto ou de amor.
Mas com todo respeito a Bob Dylan, sua poesia não chega aos pés dos Beatles com
Yesterday e Help ou a de um só de seus membros, Lenon, com sua memorável
Imagine. E por que não o relacionar com os brasileiros? Não vou falar de Orestes
Barbosa, Cartola e Vinicius, que não fizeram protesto.
Num congresso realizado no Texas, há alguns anos, um rapaz sabendo que eu era
baiano me procurou para falar com entusiasmo da festa que era a Bahia nos anos
60 de Edgar Santos. Ele e colegas tinham participado de um intercâmbio
estudantil em Salvador acompanhados do professor português Machado da Rosa e
acabaram se envolvendo com protestos contra o golpe de 64 e tiveram que voltar
para casa antes da hora. Ele considerava a música de protesto brasileira muito
mais forte que a americana. Nenhum cantor americano foi censurado ou teve de se
exilar por protestar cantando. E dizia que Vandré era muito superior a Bob
Dylan.
Não se pode comparar a produção musical, teatral e literária de Chico Buarque de
Holanda com as baladas country do norte americano. Chico teve que adotar
pseudônimo, Julinho de Adelaide, para lançar no país sua produção no exilio.
Escreveu e musicou as peças teatrais Roda viva, Gota d’água, Calabar e Opera do
malandro. Compôs a trilha musical de Vida e morte Severina, de João Cabral, e de
Os saltimbancos, dos irmãos Grimm. Mas ao par das músicas e peças teatrais de
protesto, ele produziu canções de enorme lirismo, especialmente aquelas em que
retrata a alma feminina, como: Com açúcar e com afeto, Olhos nos olhos,
Teresinha, Atrás da porta e Folhetim. Chico é autor de cinco romances traduzidos
para vários idiomas, dois dos quais receberam o maior prêmio literário
brasileiro, o Jabuti.
A indicação ao prêmio Nobel é precedida de uma verdadeira batalha diplomática. A
América Hispânica, com população equivalente à do Brasil, tem 17 Prêmios Nobel e
nós nenhum, porque o Itamaraty nunca se empenhou pelas candidaturas de
cientistas e literatos brasileiros lançadas por intelectuais nacionais. A
Argentina tem cinco prêmios Nobel, o México três e a Guatemala dois. Acabo de
voltar desse pequeno país onde participei de seminário como membro da Comitê
Cientifico da Rede Patrimônio Histórico Ibero-Americano e pude constatar quanto
a Cooperação Espanhola investe nesse e em outros países da região para em
seguida introduzir seus bancos, empresas de construção, distribuição de energia
e agua, recolhimento de lixo e supermercados. No Brasil, a cooperação com países
mais pobres é mal vista.
No artigo “A força discreta do povão brasileiro”, publicado nesta coluna em
28/08 deste ano, eu dizia que quem faz o soft power do Brasil, e sem nenhum
apoio oficial, é seu povão com a música popular, com a alegria do carnaval, com
o futebol e com a capoeira. Nossos embaixadores parecem apenas interessado em
recepções black-tie e opíparos banquetes.
SSA: A Tarde, 23/10/2016