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O “ligeirinho” envelheceu
A primeira administração do arquiteto e urbanista Jaime Lerner como prefeito
de Curitiba, entre 1971 e 1975, foi um estouro. Ele transformou uma das ruas
mais movimentadas da cidade na primeira via exclusivamente de pedestre do país,
a Rua das Flores. Mas a sua grande invenção, que lhe permitiu ser reeleito duas
vezes e chegar ao governado do estado, foi a Rede Integrada de Transportes, RIT,
que incorporou, em 1991, estações tubulares e ônibus articulados conhecidos como
“ligeirinhos”. Na verdade, era a aplicação dos estudos desenvolvidos pelo
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, IPPUC, fundado em 1965,
que ele foi um dos criadores e diretores. Curitiba se transformou em um
laboratório de gestão urbana admirada não só no pais como em todo o mundo.
O segredo do ”ligeirinho” era criar estações elevadas, no mesmo nível do
assoalho dos ônibus e a passagem ser cobrada antes da entrada no veículo,
tornado as operações de embarque e desembarque muito rápidas, além dos ônibus
rodarem em calhas exclusivas. Para implantação do sistema foi preciso
desenvolver um ônibus articulado, com capacidade para 160 passageiros e com
grandes portas altas, do lado esquerdo, para atracar em estações que ficavam no
canteiro central. O projeto foi desenvolvido pelas duas maiores fabricantes de
ônibus do país, a Volvo e a Marcopolo.
Inspirado na RIT de Curitiba foram criados, nas décadas seguintes, sistemas de
ônibus expressos em Quito e em Bogotá, este com o nome de TransMilenio. É em
Bogotá que o sistema ganha grandes aperfeiçoamentos na administração do prefeito
Enrique Peñalosa. As vias troncos passaram a ser exclusivas e ter duas faixas em
cada direção permitindo ultrapassagens e criação de sistemas expresso e local de
mobilidade. A construção do sistema começou em 1998 e foi inaugurado no final de
2000. Universalizado com o nome de Bus Rapid Transit, BRT, o sistema foi imitado
em muitas cidades subdesenvolvidas, como um pseudo-metrô dos pobres. Enquanto um
ônibus articulado transporta 160 passageiros, um metrô transporta 1.000.
Passados 15 anos, os moradores de Bogotá protestam contra seu congestionamento,
as autoridades declaram que o sistema chegou a seu limite, Peñalosa perdeu a
eleição e já se estuda a implantação de um metrô subterrâneo.
Nesses 25 anos de existência, o “ligeirinho” envelheceu. Naquela época, como
ainda em Salvador, os ônibus eram montados sobre um chassi com seu assolho a 90
centímetros do solo, dificultando o acesso dos passageiros, especialmente
crianças, velhos e deficientes. Naquela época, a cobrança da passagem era feira
na entrada do ônibus com um curral e uma catraca retardando a parada nos pontos.
Foi a remoção dessas barreiras que determinou o sucesso do “ligeirinho”
curitibano.
Hoje os ônibus têm estrutura monobloco, o que permite ter o assoalho a 20
centímetros do solo, como os usados nos embarques remotos nos aeroportos. Os
mais modernos, com suspensão de ar comprimido, se inclinam lateralmente para
nivelar ao passeio. A cobrança da passagem é feita com cartões pré-pagos, que
são validados à bordo do ônibus, eliminando os currais e catracas. Câmaras de
monitoramento permitem ter vias exclusivas sem necessidade de criar barreiras.
Nova York e muitas cidades norte-americanas estão criando sistemas de ônibus
expressos em vias exclusivas, mas não bloqueadas, com paradas a cada quatro
quadras, ao compasso da onda verde dos semáforos. Os europeus investem em VLTs
amigáveis e não poluentes.
Neste quase meio século, a tecnologia evoluiu e o planejamento urbano involuiu
no país. Arrepio-me quando ouço dizer que vão criar em Salvador um “ligeirinho”
entre a Lapa e o Iguatemi, competindo com o metrô, capeando rios, eliminando
centenas de arvores e criando uma dezena de viadutos, um deles sobre o dique do
Tororó, enquanto no Rio e em São Paulo estão eliminando viadutos e instalando
VLTs para humanizar a cidade.
SSA: A Tarde de 20/11/16
PS- O colega Alan Dick Megi, curitibano, esclarece que o RIT foi inaugurado em
1974 com ônibus expressos em calhas exclusivas, já com alguns articulados.
Em1979 o sistema foi integrado às rotas intermunicipais e os “ligeirinhos”
inaugurados em 1991.