Artigos de Jornal
O desafio da maresia
Na elaboração do PDDU, o lobby imobiliário apostou suas fichas na Orla
imaginando que ela seria uma nova Barra da Tijuca. Os pontos em comuns desses
dois bairros são a praia e a falta de infraestrutura sanitária e viária
compatível com a sua densidade. Mas as diferenças são gritantes. A Barra teve um
plano urbanístico de Lucio Costa e a nossa Orla não tem nenhum. Na Barra da
Tijuca, entre a praia e a área urbanizada existe o Parque Natural e a lagoa de
Marapedi. Na Orla, a urbanização começa praticamente na faixa de arrebentação
das ondas. Para piorar o grau de salinidade do mar na costa baiana é dos mais
elevados do país.
O plano da Barra foi alterado a partir de 1981 pelos agentes imobiliários,
aumentando os gabaritos, reduzindo o verde e o traçado viário. Mas muita coisa
restou. Manguezais, restingas e lagoas foram preservadas, embora poluídas. Junto
à praia só hotéis. Os edifícios residenciais estão protegidos pelo parque
natural e os melhores são baixos em grandes lotes. As torres de apart-hotéis
estão espaçadas permitindo a franca ventilação e a vista para o mar.
No nosso caso, os lotes são diminutos, e as torres deixarão apenas frestas entre
si provocando ilhas de calor. O escalonamento dos gabaritos só privilegia as
coberturas. O coqueiral e a restinga ciliar foram dizimados. Aquela área nunca
foi ocupada porque não há eletrodoméstico ou aparelho eletrônico que resista
mais de três anos. As vidraças embaçadas precisam ser mantidas fechadas para os
móveis não ficarem pegajentos.
Se o setor imobiliário fosse mais esperto teria pressionado para a criação de um
parque costeiro restaurando a vegetação de restinga e o coqueiral capazes de
filtrar a salmoura aspergida pela arrebentação das ondas. Na sua parte anterior
a norma deveria favorecer a aglutinação de lotes para formação de glebas maiores
cujas construções não impedissem a ventilação e a visão do mar. Com a legislação
vigente, só surgirão ali condomínios de quarto-e-sala para casais novos, que
logo procurarão localizações menos agressivas para viver e procriar.
SSA: A Tarde, 4/12/16