Artigos de Jornal
Rumo ao ano 2000
Muito pouca coisa mudará na nossa cidade nos próximo seis anos. Contudo,
algumas novas perspectivas se abrem para o novo milênio, depois da superação da
crise que assolou a cidade nos último trinta anos e que continuará assolando se
não lutarmos por mudanças.
A primeira delas é a desaceleração do crescimento demográfico, tanto pela
diminuição da taxa de urbanização, quanto da de crescimento vegetativo. Isto
cria a possibilidade de uma diminuição relativa das demandas acumuladas de
serviços públicos, especialmente as referentes à habitação, ao saneamento básico
e ao transporte público. A concretização desta perspectiva dependerá de uma
vontade autenticamente política e da existência de recursos para tal.
Isto nos leva a uma consideração sobre a vocação econômica da cidade. Depois da
tentativa de industrialização das décadas de 60 e 70, com o CIA e o Copec, que
aparentemente chegou a um ponto morto, Salvador, com seu grande acervo cultural,
Baía de Todos os Santos e posição geográfica privilegiada, ponto de partida de
extensos roteiros de praias, oferece grandes perspectivas de crescimento
turístico, seguindo a vocação natural da região Nordeste.
A consolidação e expansão dessa atividade trarão, inevitavelmente, a valorização
do seu Centro Histórico e da Bahia de Todos os Santos, tendências que já se faz
sentir com os grandes investimentos do estado no Pelourinho e interesse do setor
privado por novas marinas e transporte hidroviário. O turismo, se devidamente
orientado, poderá incrementar muitos outros serviços, ainda que remotamente
relacionados com a atividade, oferecendo mais empregos que a indústria.
A valorização destas duas áreas por agentes exógenos, contrariando o interesse
da classe média local pela orla atlântica, que a rigor nunca chegou a se
consolidar como área de habitação e serviços, tende a estancar a marginalização
do antigo centro de Salvador e infletir esta tendência na direção do restauro de
sua centralidade política, simbólica, cultural e funcional.
Criam-se, assim, dois grandes desafios, para as futuras administrações
municipais. A restauração e modernização do centro tradicional (e não apenas do
Pelourinho) e a infraestruturação de sua imensa periferia pobre. A superação
deste duplo desafio exigirá que a Prefeitura restaure sua capacidade de
investimento mediante uma crescente participação nos mecanismos de geração da
renda urbana.
É um equívoco pensar que Salvador seja uma cidade indigente, sem meios para
controlar seu próprio desenvolvimento. Esta cidade é o segundo mercado
imobiliário do país. Indigente é sua Prefeitura. Mudar esta situação é vantajoso
para toda a população, inclusive para operadores imobiliários, que terão novas
oportunidades. A sociedade tem que entender isto.
Mas não basta uma reforma fiscal, é necessário dotar a cidade de um plano
inteligente, de eficientes instrumentos de controle do uso do solo, que
contemple as especificidades de sua história, geografia e cultura. Desde a
descaracterização do plano EPUCS, há cerca de 30 anos, e crescente
burocratização da administração municipal, não se faz outra coisa senão
intervenções desarticuladas na cidade, com enorme desperdício de recursos e
agravamento de seus problemas.
Pensar a cidade do próximo milênio e lutar por novas conquistas é exercer o mais
alto de nossos direitos, a cidadania. Salvador poderá voltar a ser a mais bela,
civilizada e segura capital brasileira, se nós quisermos.
SSA: Bahia hoje, 29/03/1994