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Afinal, qual é o plano economico?

  • 17 de Agosto de 1995

A meteórica aprovação pelo Congresso, sem prévia discussão nem reação popular, da quebra dos monopólios do petróleo e das telecomunicações e dos conceitos de empresa nacional e cabotagem, assim como as privatizações sem avaliações é, no mínimo, desconcertante para aqueles que participaram das duas maiores mobilizações populares já vistas neste país: a criação da Petrobrás e as Diretas Já.
Segundo o governo, tais medidas seriam indispensáveis para pegarmos o último trem da integração à economia mundial e chegarmos ao Primeiro Mundo. É preciso recordar que desde sua descoberta o Brasil esteve inserido no mercado internacional. Fomos os maiores produtores mundiais de açúcar, durante os séculos XVII e XVIII, e de café no XIX e primeira metade do presente. Financiamos a realização da Revolução Industrial na Inglaterra com o ouro de Minas Gerais via débitos de Portugal. Não obstante isso, sempre saímos perdendo, por não sabermos defender nossos interesses.
A chamada globalização, ao invés de favorecer uma idílica integração econômica mundial, deflagrou os maiores embates comerciais já vistos, como os que travam Japão, EE.UU, China e CEE sobre cotas de exportação e subsídios agrícolas, disputas que já duram uma década sem solução. A globalização só favoreceu aos países com alta tecnologia e domínio da informação. É uma ilusão pensar que possamos competir com os grandes sem alta tecnologia e, portanto, baixar a guarda, coisa que nem eles se dão ao luxo fe fazer. O que caberia discutir, neste momento, é a melhor maneira de nos inserirmos no mercado mundial enquanto país carente de tecnologia e mão-de-obra qualificada, mas com enormes recursos naturais e um mercado interno já expressivo. As chamadas reformas da ordem econômica trazem à tona uma questão de fundo, até agora não explicitada, qual o projeto de nação queremos construir.
Ao contrário do que ocorreu no meio século anterior, o país não conhece, desde a redemocratização, nenhum plano nacional. Pode-se fazer reparos à política de Vargas de substituição gradual do modelo agrário-exportador pela industrialização barganhando a nossa participação na II Grande Guerra, ou ao Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, que soube driblar os norte-americanos ao estabelecer parcerias com potências industriais emergentes, como a Alemanha e o Japão, ou ainda ao controle estatal dos recursos e serviços estratégicos do Regime Militar, mas não se pode negar que existia em todos esses planos uma estratégia de tirar partido da conjuntura internacional em benefício do país.
Os militares, com sua visão estratégica, implementaram um dos maiores programas energéticos e de telecomunicações mundiais, com grandes investimentos e apropriação de tecnologias de ponta, como a exploração de petróleo na plataforma continental, o Proálcool, as megahidrelétricas e linhas de transmissão de corrente continua, o Brasilsat, o que permitiu nossa integração econômica interna e aumento substancial das exportações.
Esta política nos colocou numa posição privilegiada com relação à América Latina, chegando o país a 8ª economia industrial mundial. É bem verdade que esse modelo fvoreceu a concentrações de renda, um problema inerente ao capitalismo, cuja solução não está no desmonte do Estado, senão em sua desprivatização. Ao contrário, a maioria dos países da região conformou-se com a exportação de suas matérias-primas, cujos preços foram sendo aviltados nas bolsas de todo o mundo, sendo empurrados para setores literalmente marginais da globalização. De exportadores de guano, minérios, bananas e produtos tropicais passaram a narco-exportadores e lavadores de dólares, numa rota que se inicia nos Andes passando pelo Caribe para terminar nos grandes mercados do Norte.
Embora pregando a abertura econômica do Terceiro Mundo para supostamente facilitar suas exportações, os países centrais se tornam cada dia mais protecionistas. O que são a CEE, a NAFTA e a ASEAN senão grandes mercados fechados criados para enfrentar a guerra comercial, cada vez mais acirrada, onde não fica de fora nem a CIA. Por trás de bandeiras aparentemente desinteressadas, como o respeito às convenções trabalhistas, defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, o protecionismo e a discriminação econômica ganham nova força em uma economia que fugiu a qualquer controle internacional. O exemplo mais eloquente dessa prática é o Japão..
Ora, abrir a economia unilateralmente e desmontar sistema integrado de comunicação, produção e distribuição de energia, que viabilizaram o fortalecimwnto da indústria nacional, por uma ilusória reciprocidade é, no mínimo, ingenuidade. É desconhecer que por trás das trocas comerciais, existe uma disputa de poder. É repetir o mesmo erro de outros países do continente com a adoção acrítica das políticas ditadas pelas agências internacionais controladas pelos Sete Grandes. É a renúncia à luta pela superação da dependência para assumir uma posição de subserviência em face ao jogo do capital.
Não aprendeu o atual governo a lição do México e da Argentina, hoje à beira da falência, ou do Peru, Venezuela e Bolívia, que promoveram a mesma abertura sem outra consequência senão o desequilíbrio de suas balanças comerciais, recessão e desemprego. Nesses países, o agravamento da crise social e a descrença na democracia está provocando o ressurgimento dos velhos caudilhos, que subjugam seus congressos e sindicatos, governando com medidas especiais, quando não suspendem direitos civis e modificam suas constituições para se manterem no poder. Vide a advertência da revista Times, de 8/5/95.
Com uma indústria diversificada, grandes superávits comerciais, reservas de 44 bilhões de dólares, embora com uma lnflação alta, que poderia ser debelada com uma reforma fiscal corajosa, não precisava o Brasil submeter-se a um receituário surrado, que até os mais interessados, os Sete Grandes, já põem em dúvida, ao recomendarem, em sua última reunião em Halifax, Canadá, uma transformação radical do FMI diante da quebra de seu mais fiel seguidor, o México, abalando a economia mundial.
Nos últimos 10 anos assistimos aos mais heterodoxos experimentos econômicos, todos considerados necessários e infalíveis: congelamento de preços, salários e poupanças, e cinco mudanças de padrão monetário, que só serviram para desorganizar nossa economia, aumentar a corrupção e empobrecer o país. Após cada fracasso, voltamos atrás e recomeçamos tudo de novo. Vivemos mais um, desses experimentos, o mais radical de todos, o de troca da inflação pelo endividamento junto à banca internacional e nacional a ponto de exigir mudanças da Constituição, dolarização e decretação de uma recessão que está quebrando o que resta da empresa nacional. Se falharem mais uma vez os tecnocratas de plantão, não haverá retorno possível, perde o povo brasileiro tudo que conquistou em meio século. É portanto necessário transferir esse debate do campo supostamente técnico, do economês, para a linguagem clara da política e da consciência cidadã.
A exceção nesse cenário de apatia política a que chegou o povo brasileiro, humilhado e descrente nas instituições democráticas, no Congresso e na Justiça, é a resistência de um punhado de parlamentares que não aderiram ao preocupante coro de uma só voz em que se transformou o Congresso. Dentre esses, destacasse a figura insuspeita, porque membro da coligação governista, do senador Josaphat Marinho, que cansado de advertir a seus pares sobre as graves mudanças constitucionais em curso, transformou as assembleias de associações civis e sua coluna neste jornal A Tarde, nas últimas tribunas de defesa do estado e da nação, ante uma onda que, como outras, passará, mas que poderá deixar sequelas profundas no país.

SSA: A Tarde, 17/08/1995.


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