Artigos de Jornal
A morte e as mortes do centro histórico
Não é só o centro histórico que está enfermo. O Comercio, antigo centro
financeiro do estado, está enfermo também. Conheço inúmeros edifícios
relativamente novos que têm um só elevador funcionando e são abastecidos por
carros pipas, porque têm dívidas enormes com a Embasa e a Coelba. Os
proprietários de suas salas buscam quem se comprometa apenas a pagar o
condomínio e o IPTU. Não é muito diferente a situação da Av, 7 de Setembro e Rua
Chile, a main street de Salvador até os anos 60.
Será que podemos criminalizar os proprietários desses imóveis por omissão, ou
será que o problema é mais profundo, resultante de políticas públicas
comprometidas? O nosso centro tradicional foi condenado com a transferência de
suas funções centrais, na década de 1970, para um novo centro periférico, na
maior transação imobiliária que esta cidade já viu, quando se transformaram
glebas rurais de patacas em lotes dourados comerciais com o investimento
público. O poder político e a administração estadual foram transferidos para o
CAB e o econômico e comercial para o Iguatemi. Como se não bastasse, em 1992 se
expulsou a população e se excluiu o Centro Antigo e o Comercio do projeto do
metrô. O drama da área é resultado do conchavo imobiliário.
Quando o Iguatemi e a Paralela se transformam em um dos locais mais
congestionados, e inóspitos da cidade, a Orla do Atlântico, sem um parque
costeiro capaz de amenizar a maresia, vira uma zona de motéis e shoppings
decadentes e o estoque de terrenos do Corredor da Vitória se esgota, o capital
imobiliário se propõe, candidamente, a revitalizar o Centro Antigo. Uma senhora
compra 150 imóveis em Santo Antônio Além do Carmo, outro cavalheiro adquire
igual número de imóveis na Rua Chile e projetos imobiliários para o Largo Dois
de Julho e o Sodré são apresentados. Se pensam que vão verticalizar o Centro
Antigo, se enganam.
Acho muito positivo que a Prefeitura se interesse pelo Centro Antigo, mas não
creio que vá se resolver o problema pela justialização e mercado imobiliário.
Para reconstruir 1500 ruínas e recuperar uma área tão extensa não bastam
isenções fiscais. Quem são esses proprietários virtuais? Tirando uma franja com
vista para a baia, que pode interessar à pequena hotelaria, não creio que a
nossa burguesia possa querer morar em apartamentos sem garagem, playground e
transporte na porta. Creio sim num plano urbanístico que envolva União, estado e
município com investimentos pesados em mobilidade e recuperação de ruínas e
pardieiros para uma clientela de “Minha casa, minha vida”, que inclua as 3.000
famílias carentes que foram o sal da área e outros setores sociais, como
funcionários públicos, comerciários e estudantes. Sem essa decisão política, vai
se continuar morrendo e liquidando o Centro Antigo.
SSA: A Tarde, 07/05/17