Artigos de Jornal
Dez dias que abalaram o Brasil
A greve dos caminhoneiros demonstrou a enorme fragilidade do nosso sistema
logístico, urbano e político, cativo do pneu, do petróleo e do dólar. Os
caminhoneiros deram algumas lições.
A primeira econômica. Não se botam todos os ovos num só cesto. A greve parou
tudo: caminhões, ônibus, BRT, aviões, ambulâncias, taxis e lanchas e em
consequência a indústria, a exportação, o abastecimento alimentar, a saúde e o
turismo. Os prejuízos são incalculáveis e as metas econômicas furadas. Embora a
crise seja estrutural, foi deflagrada por Parente ao alinhar o diesel ao aumento
diário e cumulativo do petróleo e do dólar. Como o combustível entra no preço de
tudo, com essa lógica todos os preços e salários deveriam ser indexados pelo
dólar. Atitude burra, porque um menor preço do diesel, que serve ao transporte
público e de cargas, poderia ser compensado por uns centavos a mais na gasolina
do carro individual, sem necessidade de voltar a tabelar preços, cortar os
programas sociais, provocar a queda das ações da Petrobrás e renunciar.
A segunda lição é política. O governo arrogante não ouviu, nem dialogou. Ignorou
as advertências e a força das redes sociais. O movimento foi liderado por
caminhoneiros autônomos terceirizados. A terceirização tirou dos sindicatos a
representatividade e o governo não teve com quem negociar. Passou-se da guerra
tradicional para a guerrilha. A solidariedade da população aos caminhoneiros
revela a revolta da sociedade contra um estado corrupto, incompetente e sem
políticas públicas. O governo se ajoelhou diante dos caminhoneiros, dando os
anéis para não perder os dedos ou a cabeça.
A última lição é social. O patrão não pode mais viver tranquilo no condomínio
fechado e no carro blindado, num país desigual e conflagrado. Os Mauricinhos
tiveram que empurrar o carro até o posto, andar de ônibus lotados ou à pé no
escuro. O establishment descobriu que trabalhadores como caminhoneiros, que
produzem e transportam seus bens, guardam um segredo: sabem usar o celular como
uma arma e se articular silenciosamente.
SSA: A Tarde de 03/06/18