Artigos de Jornal
Salvador, Patrimônio Cultural e Natural
Imitando o Rio de Janeiro, de Pereira Passos (1902/06), Salvador sofreu sua
primeira grande reforma no governo de J.J. Seabra (1912/16), que tomou posse com
o bombardeio do Paço dos Governadores e da Rua Chile e prosseguiu no urbanismo
demolidor com o “bota abaixo” das igrejas de Ajuda e São Pedro e mutilação das
do Rosário e Mercês, além do Senado da Câmara, junto ao IGHBA. O único protesto
foi do abade de São Bento, contra a mutilação de sua igreja. Com a mesma
inspiração foi demolida a tricentenária Sé, em 1933, para a instalação do bonde,
que só durou 30 anos. Tardiamente Clériston Andrade (1971/75) implodiu a
Biblioteca Pública, a Imprensa Oficial e antigo Fórum para a construção do
Cemitério do Sucupira. Sepultava-se assim o ciclo da picareta.
Sua segunda grande reforma foi realizada por ACM, o velho, que iniciou seu
governo eliminando o que restou da mata atlântica para construir a Av. Paralela.
Com o slogan “Aqui, a Bahia constrói o futuro sem destruir o passado” ele
esvaziou o centro antigo e criou dois novos: o comercial do Iguatemi e o
administrativo do CAB, na maior promoção imobiliária financiada pelo Estado já
vista na cidade. Desidratado, o nosso centro antigo possui hoje 1.400 imóveis em
ruina ou em perigo de desabamento, segundo a Defesa Civil. Mas justiça se faça,
ACM implantou com 20 anos de atraso, numa cidade que havia triplicado de
população e mudado seu centro o único plano urbanístico que possuiu. As avenidas
de vale de Mário Leal Ferreira se inspiravam nos park ways ingleses. Seu melhor
exemplo é a Av. Centenário, construída em 1949. ACM tentou manter as árvores,
embora introduzindo outras funções, nas avenidas Vasco da Gama, Juracy Magalhães
Jr. e ACM. Mais que isso, ele criou na Av. Paralela um park way de 13 km de
extensão com canteiro central com 60 a 90 m de largura, arborizado. A construção
das avenidas de vale foi seu grande legado.
Pois bem, os park ways de ACM vem sendo destruídos pelos novos administradores
do ciclo da motosserra. Um metrô que poderia ser do tipo cut and cover, como o
de Brasília, destruiu a Paralela e dividiu a cidade ao meio. O amplo vale do
Bonocô foi depenado e obstruído com um metrô tobogã. A bela Estrada da Rainha,
cantada por Diógenes Rebouças em Salvador da BTS no século XIX, foi transformada
num elevado intransponível. O pior é que essas intervenções são irreversíveis.
Cidade sustentável é aquela da compatibilidade dos vários modais - VLT, BHLS,
ônibus e bicicleta - e não de vias segregadas e trepadas, que não se vê em
nenhum pais socialmente desenvolvido. É a primeira vez vejo uma mobilização
popular e das associações civis pela discussão de um projeto urbano. Isto é
politicamente um grande avanço. A política nasceu da discussão da polis, na
Grécia.
SSA: A Tarde, 17/06/18